sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

A IMAGEM DO BRASIL MODERNO EM DISPUTA

Inaugurado em 1943 no Rio de Janeiro para sediar o Ministério da Educação e Saúde do governo ditatorial de Getúlio Vargas, o Palácio Gustavo Capanema é reconhecido como um marco da arquitetura brasileira, definindo as bases estéticas e conceituais do movimento moderno no país.

A concepção de seu projeto, porém, esteve longe de ser consensual: antes de chegar à forma modernista, foi marcada por disputas em torno de como o Estado deveria se representar. Essas tensões ganharam forma no concurso de anteprojetos de 1935, cujo júri, de orientação conservadora e vinculado à tradição acadêmica, elegeu como vencedor o projeto do arquiteto Archimedes Memória, uma proposta de matriz neocolonial, adornada com elementos marajoaras. O neocolonialismo brasileiro, em oposição ao ecletismo internacional de influência européia do final do século XIX e início do XX, já buscava, antes da consolidação do modernismo de assento nacional, constituir uma linguagem arquitetônica própria para o Brasil, incorporando referências da tradição colonial local e, por vezes, elementos simbólicos da cultura pré-colombiana marajoara reinterpretados dentro do vocabulário clássico.

O então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, chegou a premiar o projeto de Archimedes Memória. No entanto, por estar interessado em realizar uma obra com potência modernizadora e repercussão internacional, alinhada a um novo projeto cultural para o país, optou por não executá-lo. Em seu lugar, convidou Lúcio Costa, ex-diretor da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e entusiasta do movimento moderno, para desenvolver uma nova proposta. Para compor o grupo de trabalho, Costa reuniu ex-alunos da ENBA, entre eles, Oscar Niemeyer, e convenceu Capanema a trazer ao Brasil, como consultor do projeto, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, principal precursor e teórico do modernismo arquitetônico e do chamado International Style. Nesse ponto, cabe uma crítica: na busca por uma expressão arquitetônica nacional, recorre-se à Europa como referência primária.

O edifício construído materializa a tentativa de conciliar os “cinco pontos” da arquitetura corbusiana, pilotis com térreo livre, planta livre, fachada livre, janelas em fita e terraço-jardim, com as soluções desenvolvidas pela chamada “escola carioca”, ajustadas às exigências do clima tropical. O resultado é um objeto arquitetônico dinâmico, que promove uma articulação intensa entre arquitetura, paisagismo e artes plásticas e que logo se tornou símbolo da arquitetura moderna brasileira.



Essa obra, pensada como símbolo do progresso e da unidade nacional, insinua, porém, uma ambiguidade fundamental entre a vanguarda estética e o poder simbólico do Estado ditatorial e incita uma questão que acompanhou toda a trajetória da arquitetura modernista brasileira: até que ponto a linguagem moderna, ao buscar a universalidade pela abstração e pela depuração formal, consegue de fato expressar a complexidade cultural de um país cuja identidade nacional é múltipla, conflituosa e está em permanente disputa?

O Palácio Gustavo Capanema permanece, assim, como obra que, do ponto de vista formal, expressa liberdade e brasilidade, mas que nasceu como emblema de um regime autoritário. Ainda assim, o despojamento estético e os princípios modernistas ali instaurados permaneceram e passaram a orientar a produção arquitetônica brasileira nas décadas seguintes.