Partindo da Exposição do artista italiano Luigi Ghirri (1943–1992)
que é apresentado pela primeira vez em Portugal no Museu CCB com curadoria de
Pedro Alfacinha, surge em parceria com a 16ª festa do cinema italiano, nesta
exposição estão reunidas 79 obras realizadas pelo artista na década de 1980,
reunindo fotografias de grande formato, mas também polaroid. Estes diversos
formatos ilustram a diversidade e cuidado com a imagem, no modo como é
comunicado o exterior e a apropriação que o fotógrafo faz desta realidade
exterior quase que poderíamos dizer no caso das polaroid que é uma realidade
“sem filtro” que é preciso tempo para interiorizar.
Apresenta-se
como mote para uma reflexão sobre a dinâmica de interior e exterior abordada na
temática do autor, que apresenta a fotografia como modo de expressão de um
domínio de interioridade em contraponto com a comunicação desse estado de espírito
através do olhar sobre a paisagem exterior.
Enquanto
fotógrafo de paisagens incute um tempo próprio à fotografia distante da fluidez
excessiva dos nossos dias. É como se houvesse uma certa melodia que é possível
ouvir e intuir nesta exposição Obra
Aberta. É possível ouvir os sons dos dias e os recantos dos lugares. Este
olhar fotográfico configura-se simultaneamente como ato reflexivo do pensamento
do interior das coisas, apresentando uma dimensão intimista, é um convite à
paragem. Mas mais do que isso, é uma imposição da interrupção no fluxo da
consciência que saltita de um pensamento fugidio e vai cavalgando de pensamento
em pensamento, de imagem mental em imagem mental, com uma enorme dificuldade em
se fixar em algo, em olhar profundamente para algum pormenor.
A dificuldade é fixar, o ser humano é um ser
de ação talvez por isso lhe seja difícil a espera, a calma, o olhar atento e
reflexivo, em 1984 o autor destas fotos já o havia diagnosticado, certamente
hoje esta doença da vida frenética está a agudizar. O século XXI corre mais
depressa que as próprias pernas, por isso, o autor que faleceu no século
passado também o indicara na medida em que nos mostra que o cinema era, e é por
vezes, (para ser otimista) mais apreciado do que a fotografia, precisamente se
nos detivermos neste modo peculiar de fotografar a paisagem de uma Itália
romântica que podia ser qualquer país.
Os espaços
representados como está explicito nas imagens são anónimos, não são
emblemáticos. São o exterior de um sentimento de interioridade de um fotógrafo
de paisagens, mas que podia ser a expressão de qualquer um de nós. Deve, pois,
residir nesse humanismo, o encanto das paisagens, do exterior proficuamente
alimentado por um interior rico e atento que sabia bem da necessidade desse
interior ser avivado, sabendo que é através desse interior que o exterior pode
emergir. É como se, na imagem da praia emergisse todo o mar da vida de cada um
e cada infância perdida, sempre em busca de cada pedaço da eternidade.
Qual tábua rasa de saber, é a promessa de eternidade que temos em cada momento que nos faz querer mais, aspiramos ao alto sem saber o que ele é, o que lá nos espera. Ora é precisamente do tempo dessa espera contemplativa que precisamos para apreciar o busto da estátua partida ao meio sobre o chão, da praia, do vendaval que se advinha no movimento das árvores. No rosto das casas velhas, desse tempo que testemunha as vidas que por lá passaram e o rasto que de si deixaram. Na esplanada quase vazia a olhar nos olhos uma praça também ela despida num final de dia. Esta narrativa de imagens conta a história dos lugares comuns e do anonimato das vidas que por eles passam numa espécie de tremor do tempo que vai desvanecendo em dias e noites sucessivas, em pensamentos e olhares por vezes próximos ou distantes.
A distância
a que estamos do girassol faz parecer um malmequer na pequena imagem de uma
polaroid.
O título da exposição (Obra Aberta) é também o título de um ensaio que o artista escreveu numa terça-feira 30 de outubro de 1984, que evoca sem querer o tempo, do qual o fotógrafo dá conta, não só quando escreve mas também quando fotografa, é a eternização de um determinado momento num pequeno papel, sendo que esse tempo e espaço vivido é muito mais do que fica plasmado na fotografia, mas ainda assim surge como porta de entrada para essa vivência interior que se transporta para o exterior, e é nesta dicotomia entre vivência interior e transposição para o exterior que estamos constantemente, nesta peculiar forma de habitar a realidade que somos convidados a ver, vendo-nos a nós próprios e aos outros em cada paisagem em cada esquina do tempo. Esta relação indissociável como o artista indicara que reside a peculiaridade da fotografia, neste tempo que é preciso para observar. O sentimento de contemporaneidade a esvaziar-se a cada passo que vale a pena documentar um olhar sobre o que está fora e ao mesmo tempo dentro de cada um de nós. Como uma janela que se abre sobre o tempo e vai para além dele. A arte que eterniza aquilo que o próprio humano não pode fixar em si, mas que deixa que permaneça depois de se esvaziar de si próprio.
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