O título deste texto nasce de um pequeno livro, com o mesmo nome, de Bruno Munari. A partir desta ideia faço uma ligação aos trabalhos de desenho de Ângelo de Sousa e João Queiroz, artistas portugueses que trabalham a ideia do desenho como exercício no processo de trabalho e cruzo com a minha proposta de livro de artista como exercício.
Nesse livro Munari propõe:
“Ao desenhar uma árvore, lembre-se sempre de que cada galho é mais fino do que o anterior. Observe também que o tronco se divide em dois galhos, então esses galhos se dividem em dois, depois os de dois, e assim por diante, e assim por diante, até que você tenha uma árvore inteira, seja ela reta, ondulada, curvada para cima, curvada para baixo ou dobrada lateralmente pelo vento."
Ao longo do livro acompanhamos uma série de indicações e desenhos mais ou menos esquematizados na tentativa de criar uma série de regras para o desenho de uma árvore. Acompanhamos famílias de árvores e muitas variações dessas mesmas famílias. Munari agrupa semelhanças, variações e cria exceções a qualquer regra, aponta alterações criadas pelas intempéries ou acidentes improváveis. É um texto exaustivo mas divertido que nos leva à possibilidade de todos conseguirmos fazer um desenho.
No final Munari acaba com, “a perfeição, diz um antigo provérbio oriental, é bela, mas é estúpida: é preciso conhecê-la, mas quebrá-la. Agora que, penso eu, ficará claro como desenhar uma árvore, não precisa de seguir o que eu mostrei de forma ; se você já conhece a regra, pode desenhar a árvore que quiser, todas diferentes das que viu neste livro.
Pode desenhar com lápis, com caneta, com um pedaço de tijolo, com pincel de barbear, com cartão ou mesmo com esparguete, com tudo o que quiser.
E, o mais importante, ensine aos outros.”
Ângelo de Sousa
Ainda sobre Desenho e Árvores, Ângelo de Sousa diz,
“Eu vejo, e acredito que isso acontece à generalidade dos meus colegas, qualquer forma no papel que procuro repetir ou a que procuro sobrepor uma mancha ou um risco ou o que quer que seja com o instrumento que tenho na mão, no momento, e que até posso mudar a meio, para outra cor, para outra técnica, para lápis, para tinta da china, qualquer coisa desse género. Quer dizer, vou vendo sucessivamente, indicações do que poderia existir naquele papel e tento, mais ou menos, ir seguindo essas formas com a possível fidelidade. Costumo dizer que, quando chega um momento em que se olha para lá e se diz “já não vejo mais nada”, isto é, vejo, vejo que não posso pôr mais nada, acabou o desenho."
“...meia folha de papel de máquina, e um marcador chamado Flowmaster, que era uma coisa genial, magnífica, permanente e versátil, e foi aí que comecei a ver a forma lá no papel e a tentar segui-la. Quando não a seguia, não ficava bem, ficava mais para a direita, ficava com uma inflexão; de qualquer maneira via a forma que se seguia, ou a mancha, ou o risco, ou um dégradé, o que seja.(...) Era uma forma que brotava de baixo, que estava mais ou menos central, pesava mais em baixo e em cima era leve. Por isso continuei a chamar aquilo “árvores”, mas não era propriamente um nome, eu costumo dizer que era uma alcunha."
João Queiroz
Termino com um excerto de uma entrevista a João Queiroz, por Óscar Faria, onde o artista considera o acto de desenhar como um exercício.
“...o exercitar constante de uma série de capacidades, sejam elas mecânicas, técnicas, corporais, sensíveis, imaginativas, nas suas mais diversas combinações, mas não aplicadas imediatamente como segundo um programa externo, pré-estabelecido. Penso que um autor propõe a si mesmo exercícios originais, não pelo valor do exercício em si, mas porque essa é a forma de lavrar e aprofundar um mapa que à sua volta foi estabelecendo, cujos locais foram determinados por muitas outras instâncias para além da vontade de exercitar. Este exercício é muito distinto da ideia vulgar que vê o exercício como a imposição de um programa exterior que visa determinado fim, um determinado desenvolvimento, um determinado resultado pré-visto. O exercício como eu o entendo é algo de aberto, sem modelo prévio de resolução, sem estratégias de aproximação à imagem já dada de um resultado. É mais um modo de explorar um território, um modo de colocar novos locais num mapa. É determinado, nos seus protocolos de feitura, por dados já provindos desse território, intuídos como fazendo já parte dele. É um modo de aprofundar e de alargar, de clarificar, enriquecer e, também, uma maneira de criar zonas de sombra, de complicação e de incoerência.”
Entre estas três visões do desenho nascem muitas possibilidades de fazer. Neste intervalo interessa olhar para uma árvore e pensar nas múltiplas formas de a ver.
Referências:
MUNARI, Bruno, Disegnare un albero, Edizioni Corraini, 1978
SOUSA, Ângelo, Transcrições e orquestrações| Desenhos de Ângelo de Sousa, CAMJAP, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004
QUEIROZ, João, Obras sobre papel, Centro Cultural Vila Flor, 2009
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