terça-feira, 19 de outubro de 2021

Emily Dickinson e os seus Poemas Envelope


Ganhei recentemente um exemplar do livro Poemas Envelope, da poeta norte-americana Emily Dickinson (1830-1886), lançado em julho de 2020 pela Edições do Saguão. Sem conhecer nada de sua obra, me surpreendi de imediato com a diagramação de suas páginas: além das versões originais e traduzidas dos seus poemas, foram também adicionadas as reproduções fac-símiles, conferindo uma camada intraduzível de intimidade e materialidade deste recorte singelo de poemas. 



Emily publicou pouco em vida (menos de uma dezena de poemas), mas compilou sua extensa escrita em cadernos que foram chamados de fascículos, publicados depois de sua morte. No final da sua vida, deixou de organizar sua produção desta maneira mas continuou a escrever poemas, rascunhos e inúmeras cartas, dentre eles, estes Poemas Envelope escritos sobre este objeto de papel que é mais usado como invólucro de conteúdo, e não como suporte da escrita em si.  




Ao ler as páginas, é quase impossível não especular se a própria autora gostaria de tê-los publicado desta forma ou não. Os fac-símiles conferem o sentimento de conhecermos Emily a fundo. Poder ver sua grafia imperfeita em fragmentos de envelopes, com rasuras, anotações, rabiscos e avarias é uma agradável surpresa, mas seria tudo isso rascunho para outros trabalhos mais definitivos ou para ela, os poemas e apontamentos já estariam prontos? Jamais saberemos. 

Também é interessante observar, neste caso específico, como se deu a relação entre tradução e diagramação, já que a essência dos poemas está intrinsecamente ligada ao formato dos fragmentos de envelopes, e também por isso a reprodução dos originais se justifica, adicionando uma terceira etapa no desfrute de seu universo. A etapa intermediária entre os originais mostrados e a tradução em português nos apresenta os poemas em inglês, escritos na fonte Century Gothic, com contornos dos envelopes, para ganharmos legibilidade e noção de onde cada palavra foi escrita originalmente, tarefa difícil de cumprir ao traduzir, pois a mesma diagramação espacial fica impossível, mantendo-se apenas algumas rasuras e rabiscos, mas perdendo a relação espacial no papel.

Nota-se, através deste exemplo, que o trabalho de edição de um livro não tem regras rígidas para a sua execução. Cada obra é única, e exige diferentes proposições, pensamento crítico e sensibilidade para dar luz à sua materialização. 








Sem comentários:

Enviar um comentário