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Anteriormente, apontamos alguns fatos acerca da relação entre escrita e língua.
Não pretendíamos, porém, alcançar conclusões sistemáticas sobre assunto tão
complexo.
Tomar a escrita como objeto não é simples, pois nossa cultura é dela tão
dependente que a naturalizamos. A escrita e os fenómenos a ela relacionados se
tornam tão corriqueiros quanto nebulosos, envoltos em ideologias.
Na introdução de seu “Writing Systems”, Florian Coulmas oferece um rico
panorama acerca da relação entre escrita e linguagem. Ao recapitular algumas
definições, Coulmas descreve a corrente de pensamento iniciada com Aristóteles
e com eco em Saussure, para os quais a escrita seria a representação visível da
linguagem.
Não demorou a surgirem opiniões de que a escrita latina seria superior às
demais, porque nela letras correspondem à fonemas e portanto, seriam
representação visual dos componentes básicos da linguagem.
Esta afirmação de superioridade é problemática, podemos deixar para os
cientistas sociais a tarefa de desconstruir esses discursos. Mas é fato que a simplicidade da escrita
latina cai bem para a reprodução em tipografia, o que criou repercussões para
muito além do Ocidente.
Praticamente em todas as ocasiões em que cortadores de tipos e empresas de
fundição ocidentais criaram tipos não-latinos, ocorreu a imposição de
paradigmas da tipografia latina a estes sistemas, isto é, latinização. Ao invés
buscar adaptar a tecnologia aos sistemas de escrita, era mais barato eliminar
complexidades. A escrita árabe é um excelente exemplo deste processo.
Kitab al-Salat al-Sawa‘i (Livro das Horas). Tido como o primeiro livro a ser composto em escrita árabe utilizando tipos móveis, impresso provavelmente em Veneza, em 1514. Vê-se ausência de ligaduras em certos pontos e uma tendência à criar uma linha ou zona de x, conceito inexistente na escrita árabe.
Vários fatores podem explicar a latinização durante os século XV e XVI,
porém, nos séculos XIX e XX quando os discursos consideram este processo
inevitável, desejável ou simplesmente indiscutível, então podemos dizer que
adentramos no campo da ideologia. A ideologia por trás da latinização não
deixou de existir com o fim dos impérios coloniais, basta lembrarmo-nos que antes
das fontes OpenType e do Unicode, a composição de qualidade de textos em
escrita árabe, chinesa ou devanagari era impraticável.
A escrita latina continua a ser o paradigma dominante no mercado da criação
e distribuição de tipos. Mais especificamente, aquilo que se produz à partir
dos EUA, Reino Unido, França e Alemanha criam os padrões hegemônicos. Todas as
demais realidades são vistas como exóticas e ficam de certo modo
marginalizadas.
Profissionais independentes e pequenas fundições de tipos tem buscado remediar
esta situação. Mas a Indústria dos Tipos é apenas mais uma indústria, é
bastante revelador que projetos de múltiplas escritas iniciem-se, via de regra,
pela escrita latina, o restante à ela se harmonizando. O recente boom
tipográfico de escritas não-latinas deve ser analisado friamente, pois as
ideologias se mascaram e perpetuam de maneiras insólitas.
Google Open Source Blog. Anúncio das fontes CJK (Chinese, Japanese and Korean) da super família de fontes Noto. Com este projeto a Google espera disponibilizar uma família harmônica de fontes para todas as escritas em uso corrente e escritas históricas.
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Referências
Referências
SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. 26 ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
BRINGHURST, R. Voices, language, and scripts around the globe in
Language culture type: international type design in the age of Unicode. ed. Berry, John D. New York, N.Y.: ATypI, 2002. COULMAS, F. Writing Systems: An Introduction to Their Linguistic Analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. NEMETH, T. Harmonization of Arabic and Latin script: possibilities and obstacles. Masters of Typeface Design, University of Reading, 2006.
GELB, I.J. A Study of Writing. 2nd edition. Chicago: University of Chicago Press, 1963.
STEINBERG, S.H. Five Hundred Years of Printing. New Castle: Oak Knoll Press, 1996. |
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