Na Rua do Embaixador 30B, vemos nas portas de vidro as cortinas magenta que poderiam cobrir quaisquer outras janelas, mas no entanto sabemos que apenas brevemente nos separam do seu interior, a entrada na exposição de Ana Jotta é livre, das onze às dezanove horas, e encerra à terça-feira.
No mais comum dos espaços, mas que descobriremos ser cada vez menos isso à medida que o adentramos e nos (des)familiarizamos, vemos nas duas primeiras grandes paredes a série Ricochete #1 a Ricochete #9, os alvos trouvé marcados não pela passagem de balas, mas pela pressão tintada de peças de um jogo infantil e colagem de papel japonês - xilogravura e chine-collé a preto e magenta fazem mover-se círculos e largas circunferências, e suas secções, como que devolvidos pelos alvos ao invés de que estes se deixem ser atravessados, permanecendo no limite da perfuração. E como com qualquer disparo de uma arma de fogo, e o respectivo ricochete da bala que acerta mas ressalta do alvo impenetrável, tudo acontece num ápice.
Só depois da série, ou salva, de “tiros” consegue o visitante examinar os resultados, descobrindo o caminho até à cave, e a Entrevista Perpétua. Lá, ele entra no ambiente lynchiano que a artista lhe mostra como a própria o encontrou, a cor nas cortinas e nos alvos, o magenta, repete-se nas paredes e até no ar, no espaço vazio, por força dos filtros alaranjados das luzes de tecto. E ao fundo, um círculo de luz. Enquanto desce as escadas, o visitante já consegue vislumbrar a mesa posta, do outro lado do gradeamento, uma mesa iluminada com inúmeros objectos reluzentes… mas é na direcção daquele foco luminoso ao fundo, ao não imediatamente reconhecível, que ele se dirige em primeiro lugar. A artista faz mínimas alterações ao espaço, no entanto assina-o ao fundo, ao canto, com uma bengala de J, proclamando ao mesmo tempo que questiona a condição de autor, no mesmo gesto fazendo substituir o seu nome por um objecto dourado que o assiná-la.
Encapsulado por uma cor, o visitante flutua no espaço sem ter a certeza de pisar o chão axadrezado, e pode examinar os objectos dourados em cima da mesa: cacos de cerâmica, um livro, baquetas de madeira, pedras da praia, todos em bronze polido. Objectos familiares e quotidianos tornados relíquias que sintetizam o impulso coleccionista, potenciando-os enquanto objectos artísticos, como nos explica a curadora da exposição Ana Anacleto, Entrevista Perpétua é uma “tentativa de obter respostas para a perpetuação de perguntas”.
«Haverá vida depois do trabalho?» será sempre a pergunta bónus.
A exposição decorre até dia 5 de Fevereiro de 2018, e “parte de uma relação de entendimento entre a artista e o museu” MAAT, na sequência da atribuição do Grande Prémio Fundação EDP em 2013.
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