Poster do filme de Lars von Trier, Melancholia, 2011 |
Melancholia
(2011)
Elenco:
Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Keifer Sutherland
Realizador: Lars
von Trier
Sinopse: O
conflituoso relacionamento de duas irmãs é posto à prova quando um misterioso
planeta ameaça colidir com a Terra.
Melancholia, do realizador dinamarquês Lars von
Trier, é um dos filmes que me provocam surtos de Síndroma de Stendhal.
Este é o
segundo filme da depression trilogy
(trilogia da depressão) composta por Antichrist
(2009), Melancholia (2011) e Nymphomaniac: Vol I & II (2013),
trilogia esta que retrata a depressão e a ansiedade de que von Trier sofre, e que é
publicamente sabido.
Justine
Na abertura do filme, um dos quadros recriados que mais se destaca é Ophelia (1852) de John Everett Millais, que representa o afogamento do amor inalcançável de Hamlet, Ophelia, na peça de Shakespeare.
Gosto de
dizer que Melancholia não está
sujeito aos chamados spoilers, von Trier desvenda-nos desde logo o trágico
final deste filme de estilo romântico e brutalmente bonito, numa abertura
composta por uma sequência de imagens realizadas em ultra-slow-motion ao som de Richard Wagner, Tristan und Isolde Prelude.
·
Justine,
a noiva, numa melancolia profunda com pássaros a cair à sua volta;
·
Um
terreno com árvores e um relógio de sol com duas sombras distintas;
·
O
quadro The Hunters in the Snow de Pieter Brueghel a arder;
·
O
planeta Melancholia a fazer o seu
trajecto, passando pelo Sol;
·
Claire
em pânico a tentar fugir com o filho;
· O cavalo preto a colapsar;
·
Justine
de braços abertos, em momento de aceitação;
·
Justine,
Claire e o seu filho no dia do casamento de Justine;
·
Melancholia,
a passar perto da Terra;
·
Justine
a contemplar raios eléctricos que lhe saem dos dedos;
·
Justine
a tentar fugir enquanto o seu vestido de noiva é preso por plantas;
·
Aproximação
do planeta errante;
·
Árvore
a arder lá fora;
·
Justine
vestida de noiva a ser levada pelo rio como Ophelia
de Millais;
·
Justine
e o sobrinho a colectar galhos para o refúgio;
·
Melancholia colide com o planeta Terra.
Stills da sequência de imagens em ultra-slow-motion, explicadas em cima. |
Após esta
revelação, que julgo não querermos acreditar, o filme divide-se em duas partes.
Num ambiente
festivo, desenrola-se o copo de água do casamento de Justine. Família
disfuncional e uma Justine em crescente angústia. E num certo cinismo/egoísmo e
até ingenuidade (esta por parte do pai, um homem que vive nas nuvens), ninguém
pergunta a Justine o que ela quer, ou porque está triste…tudo sobrevive das
aparências, até Claire, a irmã, calma, sensata, que mais tarde irá ser (ou
tentar) o suporte de Justine, lhe pede para esconder a sua melancolia.
Assistimos a
uma degradação comportamental de Justine, e no final desta parte, uma diferença
no céu nocturno é notada por ela.
Claire
De atmosfera
mais melancólica, é aqui que assistimos ao desenvolvimento da história.
Melancholia não vai passar ao lado da Terra,
como inicialmente se pensava, vai colidir com ela.
Claire, o
suporte, perde o seu centro aqui, ao contrário da irmã. Justine sabe que o
planeta vai colidir com a Terra (sabe-o desde sempre), Lars von Trier diz uma
coisa muito interessante numa entrevista, as pessoas com depressão (ele próprio,
incluído) esperam sempre que o pior aconteça e, ao mesmo tempo, julgo que há
aqui uma estranha sensação de conforto. Pela minha análise do filme, quando
vejo Justine nua junto ao rio para além de perceber que ela se sente atraída
por aquela luz azul reflectida pelo planeta Melancholia,
esta exposição, esta vulnerabilidade serve também para o atrair a ele. A
colisão que se avizinha é o fim de tudo, é o fim de todos os fardos que
Justine traz consigo.
Também o
realizador diz, noutra entrevista, que pessoas com depressão reagem mais
calmamente a eventos catastróficos e é precisamente esta evolução que Justine
atravessa nesta fase.
Melancholia é um filme carregado de citações, apresentações e alusões indirectas a
várias obras de arte (principalmente de pintura) de várias épocas.
Melencolia I (1514) de Albretch Dürer |
Para
começar, o próprio título leva-nos à gravura de Albretch Dürer, Melencolia I, que representa uma jovem
mulher que personifica a melancolia e, ao fundo, podemos ver um cometa, símbolo
do Apocalipse. É interessante referir outra interpretação deste cometa como
sendo Saturno que, como o planeta fictício, Melancholia,
é gasoso, símbolo do mal, tristeza e melancolia.
Ophelia (1852) de John Everett Millais |
Na abertura do filme, um dos quadros recriados que mais se destaca é Ophelia (1852) de John Everett Millais, que representa o afogamento do amor inalcançável de Hamlet, Ophelia, na peça de Shakespeare.
The Hunters in the Snow (1565) de Pieter Brueghel’s surge a
arder até ficar em cinzas. Este é, na história da Arte, reconhecido como o
primeiro quadro de uma paisagem invernal e idealiza a natureza e representa a
gravidade do ser.
Na primeira
parte, após uma repreensão de Claire a Justine pelo seu comportamento no
próprio casamento, Justine fica na biblioteca da sua irmã e cunhado, onde
alguns livros estão expostos e abertos com quadros de arte geométrica abstracta
e suprematista de Kazimir Malevich, que chamam a sua atenção. Justine
substitui-as por uma série de pinturas figurativas consideravelmente mais
antigas, entre elas Ophelia e The Hunters in the Snow. esta
substituição é uma rejeição à ciência e um assumir do estilo romântico que
predomina num filme chamado Melancholia.
Melancholia incorpora estilos de pintura,
principalmente associados ao período Romântico, com a criação de atmosferas que
induzem à visualização de emoções e de estados psíquicos. Por exemplo, a
revelação durante abertura do filme corresponde à frase que Justine usa “eu sei
coisas” e o slow motion em imagens
que representam o aumento de gravidade transmitem sentimentos de peso e
imobilidade, característicos de depressão profunda (pelo seu enfraquecimento,
Justine não consegue entrar na banheira, na segunda parte do filme).
Lars von
Trier consegue impor uma divisão nítida, em termos visuais, entre as duas
partes do filme. Em Justine o
ambiente é dominado por matizes amarelas e acastanhadas, originadas pela
iluminação da própria festa. Em Claire,
tudo se torna mais azulado até ao final. Azul é a cor do planeta Melancholia , azul é a cor simbólica da melancolia
e azul é a cor complementar do amarelo.
Apesar desta
divisão, estas partes não vivem uma sem a outra e as suas estruturas internas
são heterogéneas, não se classificando simplesmente pela simbologia das tonalidades.
Para além de
diferentes gradações de cor dentro de cada parte como, por exemplo, em Justine quando esta se isola, são
escuras e sombrias, quando Justine fala com o seu ganancioso chefe perto da
roulotte de catering a luz é totalmente fria dando um cunho cru à cena. Já em Claire, os céus são escuros e a luz é flat, demonstrando a submissão de Claire
causada pelo medo de uma possível colisão entre planetas.
É também
interessante referir a mudança gradual do comportamento de Justine que, aqui cresce, desaflora, tal como escrevi
acima neste texto, a catástrofe torna-se confortável
para ela, por exemplo, quando surgem as primeiras manifestações atmosféricas
devido à proximidade do planeta errante, subitamente começa a nevar, e Justine
torna-se leve.
Voltando um
pouco acima, e retendo a imagem em que Justine se encontra deitada na margem do
rio, banhando-se naquela luz azul do planeta mortífero, tudo o que a rodeia, e
cuja estética lembra Caspar David e as suas paisagens, é simbólico, representa
renovação.
Em último
lugar, quero apenas referir que o realizador tentou ser, pelas minhas palavras,
orgânico, a filmar Melancholia. Ambas as partes, filmadas
livremente, especialmente em Justine,
confere ao filme a sensação de documentário e, mais importante ainda, aquelas
pequenas vibrações da câmara, aquela busca pelo que se passa em cada cena,
insere-nos nos momentos.
Melancholia é, do princípio ao fim, uma pintura,
uma pintura onde tudo é palpável, incluindo as emoções das personagens.
Lars von
Trier diz, a certa altura, que é o filme que realizou de que menos gostou, por
ser perigosamente próximo à estética dos filmes tradicionais americanos. Talvez
fuja um pouco à estética europeia, mas é, a meu ver, uma ode à pintura.
Referências:
The Apocalypse in Film: Dystopias, Disasters, and Other Visions about the End of the World, Edited by Karen A. Ritzenhoff and Angela Krewani, Painting in Time, Andreas Kichner
www.youtube.com/watch?v=HAMOR898yyc - Lars von Trier sobre os aspectos visuais do filme
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