Esta exposição teve uma primeira apresentação no MAAT – Museu de Arte,
Arquitectura e Tecnologia / Fundação EDP, em 2016, e depois uma segunda na
Galeria Cristina Guerra, também em 2016.
Edgar Martins tem uma obra vasta enquanto fotógrafo, são diversos os seus trabalhos
com merecido reconhecimento, como The Poetic Impossibility to Manage the Infinite,
(2014), The Time Machine,
(2011), The
Accidental Theorist, (2007),
entre outros.
Edgar explora sobretudo o território, o lugar habitado ou desabitado, e não
muito quem o habita. Até aqui, recorria sobretudo ao grande formato, com
fotografias de grandes dimensões sobretudo desmantelando lugares e paisagens,
questão recorrente dos artistas visuais contemporâneos. O equipamento de grande
formato exige que cada registo seja alvo de maior preparação e trabalho prévio
e consequentemente de maior reflexão, onde a espontaneidade não é de forma
alguma uma prioridade.
Neste
projecto estas premissas não são tão visíveis segundo o mesmo paradigma, para Silóquios e Solilóquios o artista
recorreu a outros suportes e formatos para além do habitual. Após uma pesquisa
de três anos no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, em
Lisboa e em Coimbra, Edgar Martins reuniu um sem número de documentos distintos
sobre a morte. O corpo morto está presente mas sem se ver, todo o conjunto de imagens
que nos são apresentadas apontam mais para o instante e para a circunstância da
morte do que propriamente sobre o cadáver.
O sujeito, somos nós que o imaginamos.
As obras apresentadas nesta exposição variam no tamanho na forma e no
formato, imagens individualizadas ou em pequenos conjuntos. Imagens do autor
intercaladas com imagens de apropriação, uma projecção de diapositivos, recortes
e pequenos objectos. Um atlas incluindo fotografias de presumíveis assassinos,
testemunhas e diversos objectos enquanto provas de crime, recortes de jornais e
pequenos textos. Temos também imagens que o artista fez de objectos comuns que
ganham estatuto por terem sido conservados pelo Instituto Nacional de Medicina
Legal e Ciências Forenses como é o exemplo de uma corda ensanguentada prova de
um enforcamento, ou um ecrã de telemóvel com uma mensagem de despedida de
desespero suicidário.
Uma imagem que me despertou curiosidade neste trabalho, pela aparente
descontextualização, foi esta pedra de grandes dimensões onde podemos ver
salientes veios vermelhos. Ao que parece será também ela prova de um crime, e
embora a não referência a qualquer óbito, a escuridão envolvente e sua
dimensão, talvez porque lhe falte uma parte, pela natureza do tema da
exposição, pressupõe a perda e associamos os veios a um sangramento e
rapidamente a integramos no conjunto.
Edgar Martins, inclui igualmente imagens do seu arquivo pessoal que pelo
seu conteúdo se tornam pertinentes neste contexto. Destaco esta como exemplo,
um homem à beira mar.
Um homem à beira mar, em Macau, parece ter sido apanhado desprevenido,
olha-nos de frente. A sua pele sobre-exposta perde os contornos de
identificação, percebemos que é asiático, apenas isso. Esta assumida
sobre-exposição exponencia sobretudo o contraste com a escuridão celeste que se
mistura com o negrume do mar que por ser noite, apenas lhe vemos as linhas
brancas da ténue rebentação, típica da ondulação do Oceano Pacifico. O homem
encontra-se exatamente na linha que nos separa da escuridão do desconhecido,
não sabemos se acabou de sair da água ou se se prepara para entrar. Pergunto-me
se se despede, entendo sim, que a escuridão que o envolve o remete para um
limbo entre a minha presença, desvendada por uma flashada, exagerada, e o vazio. Entre a vida e morte.
O Avião de papel terá sido a primeira obra que cativou o meu olhar, a
simetria de uma folha de papel branco dobrado em forma de avião, em fundo negro
absoluto. Uma imagem com mais de um metro de altura dum pequeno avião de papel,
representativo de uma carta de despedida que um preso enviou da sua cela, antes
de se suicidar.
Por fim, a obra com que mais me identifiquei e que me despertou maior interesse
foram exatamente estas seis imagens, Cartas
de Despedida. Igualmente de pessoas que se suicidaram. Edgar mostra as
cartas sem mostrar o que têm escrito, em algumas conseguimos ler algumas
letras, não é relevante. A iluminação de recorte mostra o limite da folha, cria
uma frágil linha de luz, mais uma vez num fundo completamente negro, como é
ténue a linha da vida, de um universo material e visual que emerge da
representação ambígua da morte.
Quando nos deparamos com este título/tema pressupomos a possibilidade de
ver pessoas mortas, receamos entrar
num ambiente mórbido, obviamente fica o pesar da imaginação e da representação obscura
da morte. Porém, no decorrer da visita, talvez pelo claro universo de
interrogações, sentimo-nos quase como detectives em busca das relações que as
provas e artefactos ali reunidos nos sugerem. Refletimos sobre a intermitência
da vida e sobre os interlúdios que cada imagem incorpora. Uma investigação
sobre um ou vários crimes na qual nos é permitido participar, como
investigadores, claro.
Sem comentários:
Enviar um comentário