domingo, 3 de janeiro de 2016

No divã de Tabarra

O confronto com o imaginário do artista João Tabarra é sempre uma experiência essencial de questionamento e auto-análise.

Biotope
De João Tabarra
Curadoria de Nicole Brenez
Colégio das Artes da Universidade de Coimbra
20-11-2015 a 22-01-2016 || 14h-18h (fecha sáb. e dom.) || Gratuito

Reconhecido criador de projectos com forte missão reflexiva sobre o papel social e político do indivíduo, Tabarra, no seu mais recente projecto, Biotope, impressiona pela dimensão física já conhecida das imagens que dedica ao espectador, mas essencialmente pelo tempo que a sua performance fotográfica exige do mesmo.

Biotope, parece evidenciar uma continuidade com o trabalho apresentado na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, em 2014, Discrepant, onde o artista aborda a criação do universo em compassivo paradoxo com as ligações humanas. Em Biotope, Tabarra confronta-nos com o Homo sapiens em completo estado de autismo com o facto definitivo de que partilha um espaço comum com todas as outras espécies do reino Animalia.

A exposição com curadoria de Nicole Brenez, professora e teórica de cinema, desdobra-se por 4 salas, inseridas no belíssimo edifício claustral do colégio das Artes em Coimbra. Na primeira sala estão reunidas imagens que nos remetem para uma reflexão sobre a nossa origem e o lapso evolutivo que existe entre espécies. O desejo secreto de uma reflexão que nos deixe prostrados perante o ‘outro’ (simbolizado pelo chimpanzé embalsamado) (Figura 1). Nós enquanto o ‘outro’ a caminhar pelo inóspito, consciente ou inconscientemente, arquitectado (Figura 2). Este binómio do ‘eu’ e o ‘outro’ sempre presente no trabalho de Tabarra, e a inevitabilidade de nos obrigar a experienciar o ‘outro’, de nos colocar na pele (corpo) desse mesmo ‘outro’.

Na segunda sala, a subversão imagética de Tabarra leva-nos a questionar o lugar de cada espécie no planeta, a inevitabilidade da morte e a necessidade utópica da coexistência equilibrada do ‘eu’ com o ‘outro’ (Figuras 6, 7 e 8).

A ecoar por toda a exposição ouve-se uma voz no feminino e ao entrar na terceira sala percebe-se que se trata de uma instalação audiovisual em que a filósofa Elisabeth de Fontenay lê excertos do seu livro Le Silence des bêtes. La philosophie à l’épreuve de l’animalité, sobre a imagem permanente de um eclipse, subvertendo-se esse raro e curto momento em que nos é retirada a luz, ao perlongado tempo que as palavras demoram a ser lidas (Figura 9).

Por fim e depois de ouvirmos Fontenay a questionar a razão pela qual não é considerado homicídio premeditado o que fazemos às outras espécies, deparamo-nos com um espelho e somos obrigados a olharmo-nos, no último tríptico fotográfico. Tabarra enquanto nós próprios no corpo do ‘outro’, olha-se prolongadamente a um espelho e denomina cada imagem de um estado de consciência: confiança, medo e desejo (Figura 11).

Talvez envolto pelo terceiro, o artista termina com a imagem que serve também de capa ao livro homónimo (com edição da Arranha-Céus e lançado ao público aquando da inauguração da exposição) e que mostra um reflexo humano em comunhão com a natureza (Figura 12).

Denuncia-se assim Tabarra, “anarca participativo”1 e generoso, através da imagética das suas performances, enquanto espelho de uma consciência perturbadoramente culpabilizante mas vital. Talvez valha ainda a pena recuperar algumas das suas palavras, quase rudes mas não menos precisas, durante a conferência que antecedeu a inauguração da exposição: "Dizemos que os nazis são bestas mas as bestas são as vacas e os bois - e esses não fazem mal nenhum. Nós, os seres humanos, somos outra coisa. (...) Por mês desaparecem mais de duas mil espécies e o homem também vai desaparecer. Biotope é sobre a criação, mas também sobre a extinção. Sejam boas pessoas e não ovelhas."

1 pelo próprio na entrevista com Cláudia Marques Santos. Aqui: http://ifyouwalkthegalaxies.com/joao-tabarra/

Figura 1: Da esquerda para a direita: “Intégration du vivant, moment 1” 2015; “Intégration du vivant, moment 2” 2015; “Intégration du vivant” 2015.

Figura 2: “Terroir, passage” 2015 (tríptico).

Figura 3 - Em primeiro plano: “Intégration du vivant” 2015. Em segundo plano: “Question Politique” 2015.

Figura 4 - “Intégration du vivant, moment 2” 2015.

Figura 5 – Da esquerda para a direira: “Aceptation” 2015; “Masques sous camouflage” 2015.

Figura 6 – “Aceptation” 2015.

Figura 7 - “Masques sous camouflage” 2015 (díptico).
Figura 8 - “Question Politique” 2015.

Figura 9 – “Eclipse, Elisabeth de Fontenay, reads the silence of the beasts”, 2015 (frame do filme).

Figura 10 – Da esquerda para a direita: “Peur” 2015 e “Desir” 2015.

Figura 11 – Da esquerda para a direita: “Confiance” 2015; “Peur” 2015 e “Desir” 2015.

Figura 12 - “Miroirs grotte” 2015.


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