quarta-feira, 14 de maio de 2025

 Intimidades em fuga. Em torno de Nan Goldin

Lisboa, Centro Cultural de Belém24 de outubro de 2024 a 31 de agosto de 202510:00 às 18:30

Inauguração: 23 de outubro de 2024, 19:00

Exposição temporáriaPiso -1

Se estiverem nas imediações do rio Tejo, próximo da reconhecida pastelaria que serve os emblemáticos pastéis de Belém, é altamente recomendável uma visita à exposição Intimidades em Fuga. Em torno de Nan Goldin, com curadoria de Nuria Enguita. Esta mostra encontra-se patente no Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, até ao dia 31 de agosto de 2025.

A exposição constitui uma profunda reflexão sobre o conceito de intimidade, aqui entendido não como uma experiência meramente individual ou subjetiva, mas como uma vivência partilhada, intrinsecamente política e relacional. A intimidade é abordada enquanto construção coletiva que atravessa questões de género, corpo, identidade, sexualidade e memória, desafiando as fronteiras convencionais entre o público e o privado.

Um dos núcleos centrais da exposição é a apresentação parcial da série fotográfica The Ballad of Sexual Dependency (1979–1986), da fotógrafa norte-americana Nan Goldin. Composta por 126 imagens dispostas na parede de forma contínua, esta instalação remete para a estética dos fotogramas cinematográficos e evoca uma narrativa fragmentada e emotiva, que convida à imersão afetiva e crítica do espectador. Goldin ocupa uma posição central na exposição, funcionando como catalisadora de novas leituras sobre a intimidade como uma experiência vivida e exposta, permeável ao olhar do outro.

A mostra inclui, ao todo, 66 obras de 36 artistas, entre os quais se encontram nomes de referência no panorama da arte contemporânea. Estes trabalhos dialogam direta ou indiretamente com a obra de Goldin, explorando, a partir de diferentes suportes – fotografia, vídeo, instalação e performance – múltiplas perspetivas sobre o íntimo, muitas vezes em confronto com normas patriarcais, estruturas de poder e convenções sociais. As influências do século XIX, do surrealismo e da psicanálise são também convocadas, estabelecendo uma teia de relações entre o passado e o presente, o individual e o coletivo.

Percorre práticas expressivas de artistas que desafiaram normas patriarcais, refletindo ainda influências do século XIX, do surrealismo e da psicanálise, estabelecendo ligações entre passado e presente, entre o íntimo e o coletivo. Com isso, a intimidade é elevada à categoria de ato político, convertendo o privado num campo comum, transformador da nossa experiência social.

A exposição ocupa o Piso -1 do museu e inicia-se com um conjunto de fotografias da artista Sharon Lockhart, exibidas numa sala de paredes verdes, onde se destacam retratos cuidadosamente compostos. A instalação principal, composta pelas 126 fotografias de Goldin, encontra-se disposta ao longo de uma parede rosa que acompanha o visitante durante todo o percurso. Este prolonga-se por várias salas interligadas, oferecendo uma experiência sensorial imersiva, com espaços dedicados a vídeos, instalações e obras visuais diversas. Alguns ambientes incluem bancos, sugerindo momentos de pausa e contemplação, o que reforça o caráter meditativo da visita.


Contudo, a disposição espacial das obras por vezes levanta ambiguidades, nomeadamente quanto à direção do percurso e à forma como as obras se interligam entre si. O desfecho da exposição, com a exibição de um vídeo no fundo da parede, levanta dúvidas quanto à conclusão do itinerário, dada a existência de uma saída lateral que poderá gerar alguma confusão ao visitante. Ainda assim, este aspeto não compromete a experiência global, que convida à revisitação crítica do início do percurso e à reflexão sobre o que realmente significa a intimidade nos dias de hoje.

Esta exposição oferece, assim, uma proposta curatorial que se quer sensível e incisiva, orientada para a escuta, a observação e a partilha de experiências humanas profundamente enraizadas no quotidiano. Intimidades em Fuga não se limita a exibir obras; propõe uma cartografia afetiva do corpo, da subjetividade e da vulnerabilidade, elevando o íntimo à condição de linguagem estética e política. Trata-se, portanto, de uma exposição que interpela o visitante de forma profunda, encorajando uma leitura crítica e empática das expressões contemporâneas da intimidade.