Exposição “20 + 2” da Associação de Gravura Água-Forte, na Sociedade Nacional de Belas Artes a 06/05/2022. Trata-se de uma exposição coletiva desta associação com 20 anos que devido à situação pandémica a comemoração desta data foi adiada dois anos.
Tratando-se de um coletivo de artistas, os trabalhos representados são naturalmente muito diferentes entre si, com várias técnicas de gravura, temas cores e desenhos muito variados. Consegue-se perceber as diferenças entre a forma de trabalhar de cada artista, as cores, formas e os temas uns mais figurativos outros mais abstratos.
Figura 1 – Fátima Ferreira Way With no Return… I II III IV V, 2016. Poliéster litográfico sobre papel japonês, elementos naturais, papel 5 x (64x25cm)/mancha 5 x (diversas)
Pela sua enorme
delicadeza e subtileza das formas este trabalho de Fátima Ferreira chamou a
minha atenção. Cada umas destas cinco representações estão impressas em dois
papeis translúcidos (papel japonês) de cor branca, um à frente do outro. O que
fica atrás tem uma imagem idêntica à primeira, que parece ser a sua sombra. A autora representa imagens de um
elemento vegetal muito comum nos nossos campos, aqui representados secos.
O trabalho que
esta autora tem vindo a realizar (aqui apenas estão expostos dois) está
enquadrado com a obra escolhida. Em que as linhas são a base das
formas, onde dominam as gradações de cinzento, o preto e o branco, deixando muitos
espaços vazios para ajudar na leitura.
Assim que vi esta obra imediatamente fui tocada pela sua delicadeza e simplicidade que na sequência da exposição representa um corte abrupto opondo-se às peças anteriores, com cores mais fortes e formas mais elaboradas. Creio que foi essa limpeza que me deixou mais atenta, e concentrada. Senti a sensação de movimento e de liberdade. Como a que sentimos quando vemos os desenhos que o vento faz nas ervas e arbustos ou então num campo de erva. Tinha esta sensação em criança quando observava um enorme campo de cereais junto à minha escola. A determinada altura do ano os cereais cresciam e ainda verdes deixavam ver caminhos que o vento abria e fechava à sua passagem e em dias de muito vento podíamos ouvir o som que esta seara fazia.
A minha mente
recuou para um tempo muito longe em que a minha escola não tinha muros e podíamos sair à vontade. Era o que acontecia
nos nossos longos intervalos da manhã em dias de primavera, tinha eu uns 9
anos. Juntamente com duas ou três colegas entravamos naquele campo com cereais
quase da nossa altura e corríamos loucamente por ali fora a rir. Depois
sentávamo-nos e os cereais tapava-nos completamente e ali ficávamos a comer o
nosso lanche e nas nossas conversas e segredos. Adorávamos a ideia de que não
nos vissem, que não soubessem onde estávamos. Ao final do dia as pernas
arranhadas pela aspereza das ervas ardiam muito, mas não nos demovia para lá
voltarmos no dia seguinte.
Esta obra
representa essa liberdade que eu não imaginava o que era viver sem ela. E agora
desejo-a mais que tudo, porque parece que perdi a capacidade de correr e de me
perder como acontecia nesse tempo. A delicadeza destas imagens representa a
pureza e ingenuidade que tínhamos e de como éramos e sentíamos as coisas.
Tantas dessas coisas que fazem parte de nós que nos ajudaram a ser o que somos,
deixaram de estar presentes e fazem falta ser cultivadas.
Esta erva quando
verde servia para uma das nossas brincadeiras de criança favoritas,
arrancávamos os seus pequenos bagos de baixo para cima e atirávamos para a
roupa uns dos outros, como a ponta é aguçada algumas prendem-se e o número que
lá ficasse preso seria o número de namorados que teríamos. Isto dava sempre
origem a enormes sessões de risos e de histórias divertidas.
É muito
interessante ver como no meio de tanto estímulo visual alguém se volta para a
essência de um elemento natural tão comum com esta simples erva seca. E
represente o seu movimento implícito e subtil a preto e branco. Os olhos
descansam, a mente viaja. Deixa-nos espaço para vermos outras coisas, para a
nossa criatividade fluir. Faz-nos lembrar como é bom recordarmos os momentos
mais simples e mais marcantes. E assim nestes espaços vazios podemos
mentalmente imaginar um sem número de coisas que tanto podem ser gráficas ou como
sendo o indutor para histórias e memórias como é o caso.
Recuar a um
tempo em que o nosso olhar era simples e puro ajuda também a perceber melhor
esta imagem simples, mas tão cheia de detalhes e subtilezas.
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