quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Livro de artista - Katsumi Komagata

“Livro de artista, uma obra de arte poética em si.
Livro de artista, uma obra de arte acessível.
Livro de artista, uma obra de arte com vocação nómade, que circula.”
(Fabio Morais, artista visual e escritor)

Livro de artista não é apenas um livro feito por um artista. É uma obra em si, quando o objeto livro é pensado como um todo, de modo que conteúdo e forma sejam indissociáveis. É quando o autor/artista pensa ou participa de todos os estágios da obra, no sentido da escolha de materiais, formato, paginação, texto, encadernação, impressão. E toda esta materialidade possibilita o significado.

Neste sentido, penso que muitos dos livros de Katsumi Komagata são livros de artista, mesmo que muitas vezes sejam nomeados como livros para criança.

Katsumi Komagata é um artista e designer japonês, nascido em 1953, que começou a criar livros após o nascimento de sua filha (1990). Para se comunicar com ela, ainda bebé, o designer criou o conjunto de livros Little Eyes, uma caixa com 10 volumes divididos em 4 séries: Look, Feel, Play / Play and Learn/ Unfold / Move and Look.




Little Eyes são livros em cartões com formatos simples, mas muito bem elaborados, onde cores, formas e vazados exprimem diferentes emoções e convidam o leitor (criança e adulto) para a sensibilidade, o táctil, a manipulação do objeto a fim de descobrir o potencial infinito e o mistério das formas.


Este recurso de recortes nos livros de Komagata tem origem nas experiências com Bruno Munari (1907-1998):

“Descobri Munari em uma obra chamada “PREBOOKS”, em 1981, em Nova York, na livraria onde eu trabalhava como designer gráfico. No começo, eu não estava certo de que os livros eram para crianças, mas fui atraído por aquilo e achei tudo muito interessante. Minha filha também adorava os livros do Munari quando criança. Então para mim ele é um gênio, que soube mostrar a essência das coisas para todo mundo. Sem ser algo complicado de entender, ele nos ensinou a ser simples e inteligentes de um modo divertido.”
(Katsumi Komagata em entrevista para Thais Caramico - Revista Emília)


Mais do que livros para ver, os livros de ambos os artistas são para ser tocados, descobertos e usados. Entretanto, como aponta Stefano Salis em Komagata, the books of Katsumi Komagata: “Komagata é um mestre que se move em direção semelhante, mas também diferente de Munari: embora triângulos, recortes, figuras geométricas, o uso de buracos no texto caracterizem as obras de ambos os artistas, Komagata é menos bricalhão que Munari. É mais poético, imediato e concreto. Usa o livro para explorar significados tácteis e modos de saber que muitas vezes só nos chegam intuitivamente.

Acho que vale dizer, que conheci a obra e o designer Katsumi Komagata ao mesmo tempo, no Illustratour 2014 – um encontro de imersão para ilustradores. E meu primeiro contacto com a sua obra foi através do livro Little Tree, um livro precioso e delicado, que fala sobre o tempo, o observar e esperançar.








É um livro para ser folheado vagarosamente, inspirado e expirado. Ao iniciar pela capa, que de papel texturizado nos convida ao toque ao mesmo tempo que nos solicita cuidado. Ela se apresenta numa cor muito clara e com pequenos pontos dourados que desenham a silhueta de uma árvore.

A cada dupla de páginas um papel diferente nos puxa pela mão e nos leva a passear por entre as estações do ano. Presenciamos o nascer, crescer e viver de uma única árvore que mora bem no centro do livro, nesta dobra tão poderosa do encontro. Num jogo de luz, sombra e poesia é possível sentir o calor do sol, o cheiro da primavera, o frio da neve, o som da pequena revoada dos pássaros... E a esperança do recomeço.

Imediatamente pensamos que este livro, um objeto tão delicado deveria ficar bem longe das mãos das crianças. Deveria ser guardado em uma caixa e ser visitado somente em momentos especiais. Entretanto, o próprio artista nos provoca:

Faço livros sensíveis porque sempre quis mostrar para minha filha que as coisas são finitas. No geral, as pessoas tentam dar as coisas mais duráveis para as crianças brincarem. Óbvio que se for muito sensível, não vai ser útil. No entanto, é importante que as crianças aprendam que as coisas quebram e se destroem e que nós temos de aprender a cuidar delas com delicadeza. Se uma página é rasgada por uma criança, dá para consertar usando fita adesiva ou cola. E assim a criança vai aprender que precisa ter mais cuidado se não quiser estragar aquilo. Com pessoas também é assim. Somos sensíveis e nos machucamos, então precisamos saber nos comunicar e entender um ao outro.
(Katsumi Komagata em entrevista para Thais Caramico - Revista Emília)



.......



Sem comentários:

Enviar um comentário