domingo, 24 de novembro de 2019

Um manifesto


Silêncio. O gato comeu-te a língua?

Não estamos sempre a perder a questão importante que desde sempre se debateu?
Isto quase que parece os rebuçados Dr. Bayard, aqueles que as pessoas se lembram de tomar desde que existem. 

Cinema. Porque isto é um grande espetáculo. Circo. Porque isto é uma grande palhaçada.

Não está claro que estamos a invadir o mundo de coisas supérfluas? Estamos a encher cada micro espaço deste belo planeta com aquele que é o grande espetáculo: a tecnologia.

Acrobacias. Porque se faz tudo com uma perna atrás das costas.

John Tackara em In The Bubble, aborda a questão de como nós, a bela humanidade, é impulsionada por um belo espetáculo, como os avanços tecnológicos, onde o que é visível aos nossos olhos são as acrobacias com eles não têm de lidar, porque se faz tudo, literalmente, com uma perna às costas. Para o autor é claro que o importante é os seres pensantes, a sociedade, poderem e deverem pensar antes de agir. O autor acredita também que vivemos num mundo cheio de acrobacias e espetáculos que acabam por sobrepor o verdadeiro valor e significado do design e do papel do designer.

“Design with a conscience: that's the take-home message of this important, provocative book. John Thackara, long a major force in design, now takes on an even more important challenge: making the world safe for future inhabitants. We need, he says, to design from the edge, to learn from the world, and to stop designing for, but instead design with. If everyone heeded his prescriptions, the world would indeed be a better place. Required reading—required behavior.” —Don Norman, Nielsen Norman Group, author of Emotional Design.

Macacos. Porque é bom estar à sombra da bananeira.

E quem julga viver assim? Quem não gosta? 
Estamos no momento em que nenhum indivíduo vive para ninguém. Vive para si, para só olhar para si, para viver única e exclusivamente para o que lhe interessa. A sociedade já não foge da caixa, já não há queira fazer uma pequena diferença. Já está tudo à sombra da bananeira, porque se se está bem, deixa-se estar. 
Mas o designer não pode estar à sombra da bananeira. Ele tem de continuar a agir, continuar a criar, a solucionar, o que pode já não ser solucionado.

Leilão. Quem dá mais, quem dá mais?

Thackara refere que é o designer que necessita de perceber de onde e como é que as coisas surgem. Como deve ser sublinhado em In The Bubble, o papel do designer não tem más intenções, porque o problema é o modo como as consequências podem ganhar proporções superiores às que o designer poderia ter imaginado. E atenção, que tais consequências podem não ter diretamente as proporções que os objetos as causam.

Marta Rosales, fala também sobre isso. A autora refere-se ao conceito de sujeito, pegando na perspectiva de Karl Marx e na de Hegel. Hegel no caso de que é necessário superar e unir o binómio sujeito-objeto, o que é contraditório à filosofia kartesiana, onde está claro que o foco é única e exclusivamente o sujeito e no que este constrói conforme a interpretação do que vê. A autora continua uma linha de estudo na sua obra Cultura Material e Consumo, onde explica que o consumismo consegue ultrapassar a comum conceção de que se trata de uma mera adquisição de bens. O consumo é interpretado como um fenómeno essencial para a compreensão da organização social e das suas estratégias expressivas da identidade.

Jean Baudrillard, em A Sociedade De Consumo, refere como o consumismo ganhou a qualidade de um novo mito tribal, transformando-se numa moral do mundo contemporâneo, referindo que o design, em grande parte, é o responsável por este mito.

O autor indica que processo de globalização desprezou a forma como o design foi concebido na Bauhaus, onde a ideia era conseguir-se casar a arte e a indústria, promovendo uma harmoniosa relação entre os fundamentos estéticos do design e da arquitetura moderna com a linha de montagem industrial. E mesmo dos princípios primordiais do design acabou por se tornar num instrumento para a conquista do oposto ao pretendido, convertendo-se não num elemento de sensibilização dos consumidores, mas sim num fator de deseducação sensível, na medida em que muitas vezes produz objectos, desprovidos de valores e de preocupações globais. Por outro lado, nem sempre e conseguido pelo designer, é preciso criar uma ligação entre o produto e o consumidor para além de fatores funcionais, para que este crie vínculos, dificultando assim o desvinculo ou descartabilidade do produto. Vou utilizar um grande exemplo que o autor também usa: a pólvora inicialmente servia fins benéficos, como medicamento, e rapidamente se tornou conhecida pelos seus aspetos menos positivos, tornando-se a base para a formação da dinamite. O design é semelhante, pois é mais reconhecido pelo facto de criar o consumismo desenfreado que se vive nos dias de hoje, do que pelo facto de ser responsável pelo actual desenvolvimento na produção industrial.

Talho. Porque isto está de cortar à faca. Pesca. Mas ninguém pesca nada disto.

Para seguirmos o raciocínio de Thackara o importante é focarmo-nos no passado. Durante a primeira parte da Era Industrial, o progresso era o significado de uma produção contínua de tecnologia. Nessa altura, os benefícios da tecnologia eram mais que evidentes. Melhor. Mais rápido. Barato. Contudo, à medida que a tecnologia aumentou, a diferença entre os gadgets diminuiu. A tecnologia tornou-se numa mera posta de pescada que, na pior das hipóteses, penetra o nosso espaço pessoal sob forma de invasão. Mas lá está, nós não pescamos nada disto, e estamos perante um ambiente de cortar à faca porque somos apenas o isco para a caça das máquinas.

Baguete. Porque isto é tudo à grande e à francesa.

Estamos perante uma mudança de paradigma muito maior e abrangente a todas as disciplinas do design. Possui um maior potencial transformador do que os “ismos” que antecederam as tendências micro-históricas. Para ser mais precisa, creio que nos encontramos na terceira grande fase da história do design moderno: uma era de design relacional e contextual, como Andrew Blauvelt refere. Se, durante a primeira fase, a forma gerava a forma, na segunda, a injecção de conteúdo nesta equação conduziu à produção de novas formas. A terceira vaga do design explorou a dimensão performativa do design — os seus efeitos nos utilizadores, as suas restrições pragmáticas e programáticas, o seu impacto retórico nas interações sociais. Como tudo é à grande e à francesa, esta expansão de ideias parte da lógica formal do objeto desenhado para a lógica simbólica e cultural dos sentidos evocados pelas formas e, finalmente, para a lógica programática da produção do design e dos locais onde é consumido — a realidade complexa do seu derradeiro contexto.

Compensan. Porque estamos fartos de engolir sapos. Positivo. Porque ao menos vamos todos desta para melhor.

O facto é que a própria natureza do design e os papéis tradicionais do designer e do consumidor mudaram radicalmente, o que não é surpresa nenhuma. Assim como o papel do utilizador se expandiu, chegando, por vezes, a incluir o papel do designer tradicional (ao estilo do profético “prosumidor” de Alvin Toffler), também a própria natureza do design passou de dar forma a objetos discretos para a criação de sistemas e a enquadramentos visando compromissos muito mais abertos: designs para a criação de designs. 

A primeira fase do design deu-nos formas infinitas; a segunda, interpretações meramente variáveis — a injecção do conteúdo de modo a criar novas formas. A terceira apresenta inúmeras soluções eventuais e condicionais: sistemas abertos, em vez de fechados. Limitações do mundo real e contextos em vez de utopias idealizadas. Ligações relacionais no lugar do designer abandonado. O desaparecimento de designs altamente controlados e determinados e a ascensão de sistemas facilitadores ou generativos. 

Bisca. Há que pôr as cartas na mesa. Futebol. Porque o que importa é que o Benfica (não) seja campeão.

Então chegamos a alguma conclusão para além desta? Ou é necessário se tomar consciência do passado, presente e futuro, e de que na realidade o presente é passado no futuro? Ou é preciso que esta consciência tenha de ser tida não só por nós, designers, (ideia enunciada por John Thackara) mas também como nós enquanto sujeitos e consumidores (ideia de Marta Rosales)?

Os subtítulos que acompanham este post são todos da autoria de Carolina Ferreira, Inês Silva e Pedro Coelho, no seu Manifesto Anti-Cegueira. Escolhi este manifesto porque penso que ilustram a minha lógica de pensamento para formular a minha opinião.

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REFERÊNCIAS:
THACKARA, J. (2005) In The Bubble: Designing in a complex world.
ROSALES, M. (2009). Cultura Material e Consumo. Oeiras: Celta

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