quarta-feira, 29 de novembro de 2017

"Kansas City Confidential"

Phil Karlson, um assistente de realização veterano, com colaborações em várias películas da Universal durante a década de 1930, acabaria por se tornar realizador numa fase já relativamente tardia. Tendo produzido um corpo de trabalho heterogéneo ao longo da sua carreira, em que figuram desde comédias musicais e filmes de época a westerns e policiais, Karlson era uma espécie de “funcionário” do sistema de estúdios, forçado, como tantos outros, a fazer “vários filmes em que não acreditava (…) para poder usufruir de alguma liberdade (…) para fazer os que queria. (Dixon, 2007). Kansas City Confidential, uma das pérolas secretas do film-noir dos anos 50, encontra-se neste último grupo. O ciclo Hollywood B, que a Cinemateca Portuguesa dedica a autores mais obscuros do cinema norte-americano, mostra assim uma das obras mais significativas deste realizador, e em relação à qual pretendo basear esta breve crítica. 

    
    
Os filmes de cunho autoral de Karlson giram, invariavelmente, em torno de uma problemática comum: o retrato de uma América moral e socialmente corrupta, “onde os homens e mulheres honestos só podem depender de si próprios, se pretendem alcançar justiça” e em que “tudo vem com um preço”, traduzido, normalmente, em “sangue, morte e traição”. (Dixon, 2007) Estas são as regras do jogo presentes em Kansas City Confidential, lançadas logo após os créditos iniciais do filme, sob a forma de um pequeno texto introdutório com um duplo sentido: uma premissa para o enredo (dando conta de um crime aparentemente perfeito, cujas culpas acabaram por recair sobre um inocente), assim como uma crítica social, transversal à obra mais “séria” do realizador. 


Observamos, logo na primeira cena, Tim Foster (interpretado por Preston Foster) a estudar o local do seu próximo assalto – um banco. Foster precisa de uma equipa para levar a cabo o seu plano, acabando por recrutar um trio de marginais que, com as suas motivações pessoais e características diferenciadoras, proporcionam um dos pontos mais interessantes desta obra: Peter Harris, Boyd Kane e Tony Romano (interpretado aqui pelo genial Lee Van Cleef, um dos “vilões” mais emblemáticos da história do cinema norte-americano). O plano passa por ludibriar as autoridades, utilizando um camião semelhante ao de um trabalhador de uma loja local – Joe Rolfe, um veterano da Segunda Guerra Munidal e ex-cadastrado, que se assume aqui como o protagonista relutante do filme. O assalto é bem-sucedido e, quando os membros do gang se reagrupam após o mesmo, Foster entrega a todos uma carta rasgada que os identificará aquando da entrega da sua quota-parte do saque (os assaltantes estão mascarados e não se conhecem). Entretanto, as autoridades acabam por prender Rolfe, torturando-o durante dias na esquadra, até ser finalmente dado como inocente e posto em liberdade. Aqui se dá “o ponto de não retorno” desta narrativa, uma vez que o protagonista não pode voltar ao seu antigo emprego. O tempo que esteve sob custódia da polícia, acrescido ao facto de ser já um ex-presidiário, destruíram irremediavelmente a sua reputação, tornando-o num pária aos olhos da sociedade. Sem nada a perder e frustrado pela incompetência das autoridades, Rolfe decide então fazer justiça pelas próprias mãos, encetando uma procura pelos verdadeiros culpados, que culminará no obrigatório confronto final com Foster.


No que diz respeito ao enredo, Kansas City Confidential apresenta alguns dos temas recorrentes do film-noir: a opção por personagens moralmente ambivalentes, por oposição à tradicional dicotomia herói/vilão dos filmes dos grandes estúdios da época, um foco na parte mais sórdida e desfavorecida da sociedade e a evocação – em segundo plano – dos traumas da Segunda Guerra Mundial, que se imiscuem de forma subtil na narrativa, por intermédio da personagem de Rolfe. Já em termos formais, o trabalho de Karlson – talvez por constrangimentos de budget – não denota a estilização dos planos e cuidado com os décors, tão próprios de filmes maiores do género, como The Third Man e The Big Sleep. Na verdade, em Kansas City Confidential, fica-se com a sensação que a preocupação por localizar espácio-temporalmente a acção em Kansas City (e posteriormente no México) se tratou mais de um pensamento acessório, do que outra coisa. O filme aposta mais em planos fechados e de conjunto, pautados pelos ocasionais estabilishing shots que, embora permitindo uma dinâmica interessante entre personagens, tornam a acção algo uniforme e, por vezes, aborrecida. Onde o filme brilha, contudo, é na montagem, que consegue transmitir uma tensão crescente até ao showdown entre Rolfe e Foster. É esta mesma tensão que se estabelece após o assalto, aliás, que, juntamente com o anonimato do trio de assaltantes, influenciou Reservoir Dogs, de Quentin Tarantino. Talvez o feito mais famoso desta obra de Karlson.

                                                   
Kansas City Confidential é um filme interessante de um autor menor que, embora não se conseguindo impor como uma obra de referência do film-noir, é eficaz na veiculação de alguns dos preceitos que tornaram este género tão apelativo: A ancoragem do enredo num contexto verosímil em relação aos anos do pós-guerra e na sordidez dos meandros em que estas personagens se movem, assim como uma aposta clara num protagonista cuja backstory o torna mais complexo do que os tradicionais heróis do cinema dos grandes estúdios. Não obstante denotar algumas fragilidades técnicas, Kansas City Confidential consegue, mesmo assim, manter uma narrativa entusiasmante, inserindo-se de forma coerente no universo temático dos melhores filmes de Karlson.

Referências:
Dixon, W. W. (June de 2007). Phil Karlson: The Forgotten Master of Film Noir



Lisboa como plataforma de lançamento da fotografia artística

O lançamento da exposição Parallel Intersection Lisboa marca o surgimento da nova iniciativa fotográfica europeia, a Parallel European Photo Based Plataform. O projeto tem como parceiros agentes culturais,  fundações e festivais europeus ligados ao discurso fotográfico, visando a promoção de tutorias aos artistas e curadores emergentes na área da fotografia.

Através de open calls e parcerias com escolas de arte fotográfica, a Parallel busca por novas interligações profissionais, afim de proporcionar aos museus e festivais novos conteúdos artísticos conceitualmente relevantes, auxiliando artistas a chegarem no mercado das artes. Ao todo, 18 polos culturais da Europa, de 16 países, participam da iniciativa.


Foto: Divulgação


O kick-off para a formação da Parallel iniciou-se há cerca de um ano e meio, culminando na exposição fotográfica aberta ao público no Convento da Trindade, zona do Chiado em Lisboa. Ao todo, 41 artistas da fotografia contemporânea participam da mostra no labirinto de grandes e pequenas salas do Convento da Trindade, sendo um convite à surpresa e curiosidade. Ao caminhar pela mostra, o visitante surpreende-se a cada cômodo do antigo prédio. As mais diferentes abordagens fotográficas saciam aos gostos dos ecléticos adeptos da fotografia atual.


Foto: Divulgação


É perceptível a preocupação dos produtores em evitar altos gastos na execução desse evento fotográfico. O perfeito aproveitamento dos ambientes do Convento da Trindade, assim como a utilização de materiais simples e de baixo custo para a montagem do espaço expositivo culminam numa confortável visitação, oferecendo um experiência didática e visual àqueles que procuram por novidades no mundo da fotografia artística.


Foto: Divulgação



O evento ocorrido no último dia 23 de novembro, foi marcado também pelas falas da fotógrafa Cristina de Middel (Espanha), conhecida pelo seu livro “The Afronauts”; a curadora Hester Kejser (Holanda); assim como a participação de Alice Bergomi (Italia), coordenadora educacional da Fondazione Fotografia Modena.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

La signorina Else de Arthur Schnitzler

                                      (entre monólogo interior e fluxo de consciência)




 

San Martino di Castrozza, 3 de setembro 1924

«No salão do Hotel Fratazza, as 22h, ao ritmo do 'Carnaval' do Schumann, uma menina vienense de dezanove anos, apenas com um manto que cobria o seu corpo nu, ficou em estado de semi incociênca» 


Else, assim se chama a protagonista, está de dérias com uma tia rica, em San Martino de Castrozza, quandp ficou perturbada por causa duma carta que recebeu da mãe: o seu pai corre o risco de falência. 

A partir deste momento, vai-se consumindo o seu drama interior.
A historia da Else parece ter saído de uma cronica contemporanea.





A novela abre com um diálogo entre a Else e o seu primo Paul, enquanto joga a tênis. O intercâmbio ajuda a compreender a atmosfera e o significado profundo da história.
Paul pergunta por que ela não quer continuar jogando, e Else responde que não pode. 
O drama ocorre em poucas hotas, após o jogo de tênis da tarde, até a hora de jantar, quando é recolhida do salão do Hotel, sem sentidos, e levada para o seu quarto.
O tempo corre rápido em uma espiral de eventos e emoções contraditórias que pertirba a alma da Else, e segue num ritmo serrado, a partir de um telegrama da mãe. 

A notícia perturbadora diz que o seu pai, viciado no jogo, perdeu uma grande soma de dinheiro, como de costume, e que se não pagar a sua divida, acabaria na prisão, e a mãe que pede a Else, mas atraz das suas palavras, se ouve as palavras do pai.






A mãe no telegrama, pediu a Else que pedisse uma soma de dinheiro 'irrelevante', trinta mil florins, ao Sr. von Dorsday.

Von Dorsday, é um senhor de classe, amigo de família, que está fascinado para a beleza e o portamento da Else, e com certeza aceitaria de emprestar o dinheiro.
Else pensava do von Dorsday que era um homen horrível e incontrolável.
Mais velho do que o pai. 
Com muita coragem, fala com ele.
Ele aceita de pagar a divida do pai, mas com a condição que ela se mostrasse nua à meia-noite no quarto dele ou na floresta. 

Else permanece desconcentrada da proposta, e nesse momento começa a sua locura interior.
Decide aceitar, mas quer mostrar-se não só a von Dorsday, mas a todos os que estão no hotel.


Else volta para o seu quarto,prepara uma dose extrema de Veronal (um calmante), sai do seu quarto com apenas um casaco e sapatos e começa a procurar von Dorsady.

Entra na sala de musica: o von Dorsday está là, ela o procura até que ele encontra os seus olhos, entâo ela tira o seu casaco e fica nua, e todas as pessoas na sala ficam surpreendidas.

Else, toda a noite dizia que sentia a testa quente e as pessoas pensaram que talvez fosse por esta razão que ela desmaiou.

Ela é imediatamene levada para o seu quarto e deitada na cama; ela ouviu todas as vozes  e as conversas, mas não conseguia reagir.
Quando estava sozinha por um momento, consguiu rapidamente pegar o Veronal e beber tudo tão rapidamente que o desmaio tornou-se eterno e as palavras que queria dizer ficaram encerradas entre os lábios até o epílogo.



 



 


 

 
Else é uma jovem de dezanove anos, filha de um ilustre advogado, que 
pertence à burguesia vienense. Foi educada para ter um bom casamento. 








 
 
 
 


A magia deste romance é ser capturado em um vórtice de emoções.

A partir deste momento de férias, onde as preocupações dela, são os jogos de ténis, e os ‘dinners’, muitas outras prioridades a ocuparão.
O incipit simboliza a transição prematura da adolescência despreocupada para a idade adulta. 
Esse sentimento estranho logo se transformará no pior pesadelo: será ela, jovem que deve salvar a sua família. 


Demonstrará uma coragem e um senso comum que faltam em seus pais; terá que se expor e se humilhar, comprometer, aceitando uma proposta indecente.

Else é orgulhosa do seu corpo: não se considera linda, mas interessante.
O corpo da Else, tão jovem e fresco, se torna uma troca de mercadorias, um objeto que tem um preço na sociedade e se entende logo que terá que ser vendido para obter a salvação da família. 




Else é o narrador do seu proprio drama, e adotando a técnica do monólogo interior, Schnitzler monstra-nos de perto, ou melhor, de dentro os estados do animo da protagonista. 


Schnitzler representa este drama com grande dominio artístico.

O aspeto psíquico de uma menina de boa burguesia vienese, revelada pelas mesmas técnicas que Freud, a associação de ideias. 

A Else, sente que caiu em uma armadilha; os pais pedem essencialmente um ato de prostituiçâo.





 


Na turbulência dos sentimentos que negligenciam sua mente, existimos participantes, mas impotentes para o lento e inexorável destroço de todos os sonhos de Else.

Encantadora, de fato, é a técnica narrativa particular usada por Schnitzler, que com um fluxo ininterrupto de consciência - interruptido aqui e aí por apenas alguns diálogos - imerge o leitor em contato direto com os pensamentos da protagonista, como se estivesse dentro sua cabeça.

O resultado é de uma naturalidade impressionante e trai o estudo aprofundado do caractér feito por Schnitzler, um autor sempre consciente da importancia da espessura psicologica das suas criaturas e da corripção moral e social dos adultos na sociedade vienense.






 
 
 



Arthur Schnitzler, nascido em Viena em 15 de maio de 1862, de uma família de médicos judeus ricos, era um dramaturgo e médico austríaco. Ele é mais conhecido por ter desenvolvido um artefacto narrativo conhecido como o monólogo interior que costumava usar nas suas obras para descrever os pensamentos e a psicologia dos seus personagens.
Schnitzler é frequentemente comparado com Sigmund Freud. Nos seus dramas e novelas usa a técnica do 'fluxo de consciência”, onde mostra drasticamente a atividade subconsciente dos seus protagonistas. Em consequência da sua representação intransigente do pensamento, foi inúmeras vezes criticado. O seu ciclo “Der Reigen” provocou um grande escândalo e foi censurado como pornografia. 
 
Afirmou Freud: “Sempre que me deixo absorver profundamente por suas belas criações, 
parece-me encontrar, sob a superfície poética, as mesmas suposições antecipadas, os 
interesses e conclusões que reconheço como  meus próprios. Ficou-me a impressão de que 
o senhor sabe por intuição – realmente, a partir de uma fina auto-observação – tudo que 
tenho  descoberto em outras pessoas por meio de laborioso trabalho.” (Freud,1922)