segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

"Derecha güey"


Guëros (2014), a primeira longa-metragem de Alonzo Ruizpalacios, conta a viagem de jovens na Cidade de México à busca de um antigo cantor de rock.



A primeira imagem do filme:














Tomás (Sebastián Aguirre), adolescente sem inspiração, deixa cair balões do telheiro do seu prédio sobre os passantes da rua. Sua mãe, que não aguenta mais as suas estupidezes, manda-o viver alguns tempos na capital de México com o seu irmão, Fedérico, codinome Sombra (Tenoch Huerta).

Além de introduzir o gesto de Tomás, esta imagem inicial pode ser compreendida como uma metáfora das personagens principais do filme. Eles evoluem sempre juntos, dentro de pequenos espaços fechados como o apartamento ou o carro. O lugar de habitação é uma espécie de bolha, um habitáculo.


Habitáculo fixo: o apartamento.














Tomás entra no apartamento escuro de Copilco como Alice no País das maravilhas. Moram lá Sombra e Santos (Leonardo Ortizgris), um amigo seu. Ambos estão estudantes da UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México).

Muito rapidamente Tomás vai confrontar seu próprio aborrecimento ao de seu irmão. De facto, o filme desenvolve-se durante as greves de 1999. Este movimento estudantil histórico que reivindicava principalmente uma educação gratuita para todos, bloqueou durante um ano a universidade inteira.

Nesse contexto, Sombra e Santos encontram-se totalmente livres e tentam com dificuldade continuar a escrever a tese. Mas o que predomina no seu quotidiano é a vacuidade. Ela manifesta-se através das crises de pânico de Sombra ou quando ele martela o botão "Delete" de um teclado com a regularidade de um relógio. Esta maneira de marcar a passagem do tempo desocupado foi tratado de maneira semelhante em O homem que dorme de Jacques Queysannes.

A ociosidade no apartamento acaba quando os vizinhos descobrem que os jovens roubam-lhes electricidade. Estes últimos fogem, abrindo um novo ciclo.

Habitáculo à deriva: o carro.


Tomás, Santos e Sombra não podem mais voltar no apartamento. O seu carro torna-se a sua nova habitação. Doravante nómades, os rapazes começam uma viagem iniciática na cidade de México. Em verdadeiros situacionistas, eles percorrem as estradas, perdem-se, derivam como uma garrafa ou um barco sobre o mar. Assim, quando Sombra põe a mão à janela é como se ele pusesse a na água de um oceano qualquer.

Divido em cinco partes (Sur, Poniente, Ciudad universitaria, Centro, Oriente) o filme segue a mobilidade deslizante dos jovens. Esta fluidez reflete-se também na montagem e a concatenação dos elementos narrativos. Embora tenham alguns nomes de lugares exactos tal como o jardim zoológico de Chapultepec ou a pulqueria de Texcoco, o filme evolui numa geografia muito vaga. O que importa nessa viagem não é a precisão geográfica, mas sim o estabelecimento de uma relação afectiva entre os lugares e os indivíduos, tal como o enunciava Guy Debord na sua Teoria da deriva  sob o termo de "psicogeografia".

Daí nasce o sentimento de desorientação próprio às viagens mas que neste caso surge em territórios conhecidos. As personagens (e o espectador) sentem-se "fora cá dentro". Atestando-o, esta pergunta-resposta recorrente nas conversas:
"-Donde estamos?
-En la ciudad de México."

Nas suas múltiplas perdas, os nossos heróis vão sempre encontrar pessoas para guiá-los no labirinto da megalópole.


Furar a bolha: os encontros.














O carro tem dois modos de ação. Primeiro, como o vimos antes, enquanto espaço isolador. Segundo, enquanto interface entre os rapazes e o mundo exterior. Qualquer problema material com o carro obriga à imobilidade, suscitando interações e encontros. Entre vários exemplos, podemos falar do miúdo que deixou cair uma pedra de uma ponte (irónica repetição do gesto de Tomás) e furou o para-brisa do carro.

Todos estes encontros participaram da viagem dos jovens, e o modo adoptado para registá-los aproxima-se muitas vezes do registo documentário. É o caso do homem que conta a história da sua vida a Tomás quando o carro está avariado, ou ainda do aparecimento de um claquete na cena de entrada na faculdade.

A origem destes deslocamentos na cidade foi a busca de Epigmenio Cruz, famoso ídolo do rock nacional. Remetendo à história pessoal do realizador, o encontro final com ele na pulqueria acaba por ser decepcionante. Mas não importa, os jovens tornaram-se adultos e Sombra encontrou Ana. Com ela, o jovem vai deixar o habitáculo conhecido e mergulhar na multidão, abrindo um novo ciclo.

Última consideração

O antigo DF está saturado de cores vivas, de barulho e de pessoas. Para captar as suas atmosferas e sua essência, Alonzo Ruizpalacios escolheu gravar o filme em preto e branco e de focar-se nos sons do quotidiano. Deste modo, o realizador conseguiu escrever Güeros, um retrato poético e verdadeiro da cidade de México.


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