Projecto Teatral
«nenhuma entrada entrem»
Carlos M Gonçalves
_______________________________________________________________
Culturgest / Galeria 1 / Entrada Gratuita / De 24 de outubro a 10 de janeiro, de terça a sexta-feira das 11h às 18h (última admissão às 17h30); sábados, domingos e feriados, das 11h às 19h (última admissão às 18h30).
Encerra à segunda-feira / Curadoria: Projecto Teatral
Encerra à segunda-feira / Curadoria: Projecto Teatral
Rua do Arco do Cego, 50; 1000-300 Lisboa / Telf.: 21 790 51 55 / e-mail: culturgest@cgd.pt
Fig. 1 vazio do teatro, 2009. Peça A: terra prensada; B: pano-cru e madeira, na Culturgest, Lisboa, Portugal. Fonte: própria. |
Desde
de 1994
que o coletivo Projecto Teatral (Helena Tavares, João Rodrigues,
Maria Duarte, André Maranha, Gonçalo Ferreira de Almeida: composição atual) iniciou
um trabalho empresarial artístico redirecionado para questões que
desafiam o conceito tradicional de teatro enquanto representação do
mundo sempre com títulos em minúsculas, aparentemente, como forma de resistência à lexia. O porquê do abandono do espaço, do tempo, do ator, da voz e do texto, motiva o coletivo ao «vazio do teatro» (Figura 1). Não um teatro vazio
espacial, mas um corpo humano sem proprietário.
Filiados nos ideais minimalistas de representação artística em que radicam um processo de desfamiliarização [que] corresponde um movimento de desterritorização, aceitam a matéria fora do espaço convencional de representação de acontecimentos artísticos que interpretam como sendo teatrais. A ideia de artista tradicional – preocupado com a notoriedade social, com a consequente valorização económica da sua obra e mesmo do seu próprio corpo enquanto arte – também é aqui abandonada. Ao manter o produto artístico dentro das regras do jogo económico, participa de uma competição livre e aberta, sem espaço ao engano nem à fraude. Podendo-se classificar esse produto artístico de escultura contemporânea, tanto visual quanto sonora.
Este ano reúnem na conceituada galeria de arte da Culturgest um grupo de seis peças embrionárias da noção principal que o coletivo mantém há quinze anos: a tragédia do teatro. Uma escavação interior do Ser que deixa um vazio ao qual chama alma. A alma é o vazio íntimo de um vivo ... é a forma física do vazio. A ausência de um corpo morto enquadrado no vazio de um túmulo, um túmulo enquadrado, por sua vez, num templo que remete para o oculto e o ritual teatral.
Filiados nos ideais minimalistas de representação artística em que radicam um processo de desfamiliarização [que] corresponde um movimento de desterritorização, aceitam a matéria fora do espaço convencional de representação de acontecimentos artísticos que interpretam como sendo teatrais. A ideia de artista tradicional – preocupado com a notoriedade social, com a consequente valorização económica da sua obra e mesmo do seu próprio corpo enquanto arte – também é aqui abandonada. Ao manter o produto artístico dentro das regras do jogo económico, participa de uma competição livre e aberta, sem espaço ao engano nem à fraude. Podendo-se classificar esse produto artístico de escultura contemporânea, tanto visual quanto sonora.
Este ano reúnem na conceituada galeria de arte da Culturgest um grupo de seis peças embrionárias da noção principal que o coletivo mantém há quinze anos: a tragédia do teatro. Uma escavação interior do Ser que deixa um vazio ao qual chama alma. A alma é o vazio íntimo de um vivo ... é a forma física do vazio. A ausência de um corpo morto enquadrado no vazio de um túmulo, um túmulo enquadrado, por sua vez, num templo que remete para o oculto e o ritual teatral.
Quem
visita a exposição, é convidado a participar numa cena
que é um templo
e entra num túmulo visitável. Testemunha a cena dividindo-a em duas: dentro e
fora-de-cena. Uma cena vazia, sem mistério, é o templo onde o Homem
se vê vazio a si mesmo e torna a representação viva. É na
representação que o Homem explora o seu vazio com o objectivo de se
conhecer. Na vertiginosa descoberta de
si fora de si
o mistério assume-se como abismo
que ele mesmo é.
O teatro é assim, definitivamente a condição hiante do Homem.
O teatro é assim, definitivamente a condição hiante do Homem.
Exposição de grande grande interesse não só por desenvolver uma espécie de teoria da condição humana através da ausência, mas também pela materialidade austera das peças sob o pretexto do prazer do culto
patente na fragilidade imediata da peça «moinho» (Figura 2). Assumindo que a arte é uma teatralizarão
(contemplação) da morte – é ... o
teatro que no-lo dá a ver e
a ouvir, Projecto Teatral explora dois sentidos do Homem em que a arte se enraíza e que podem atuar à distância: na visão e na
audição. É com esta consciência bem presente que Projecto Teatral
produz as suas peças omne ignotum pro magnifico, o seu produto artístico. A partir do círculo e do quadrado, formas primordiais que acolhem
matérias orgânicas como a terra prensada, a água em forma de
vapor, a madeira, o pano-cru o gesso e um pó, nascem peças de grande e
pequenas dimensões com um ou dois elementos impactantes como é o exemplo de «ostra» (Figura 3).
Fig. 3 ostra, 2010. Terra prensada e gesso, na Culturgest, Lisboa, Portugal. Fonte: própria. |
«ostra»
é constituída por dois blocos em terra prensada em forma de ataúde,
sendo que no seu interior a base é revestida a gesso branco onde
assentaria o corpo sem vida. Platão definiu o corpo humano como uma
espécie de concha de ostra agarrada a nós. Ostra torna clara esta
dicotomia alma-corpo e sugere talvez ressurreição.
Projecto
Teatral, «nenhuma entrada entrem», move-se na bicromia da luz e
da sombra. A luz presente no branco imaculado das peças de uma das
salas, atinge todo seu esplendor em «imaginação morta imaginem»
(Figura 4). Em
2001, o Projecto Teatral publica um pequeno livro de Samuel Beckett:
"imaginação morta imaginem". Visual e sonora, esta peça
é uma voz que traça um desenho geométrico de um espaço
expositivo, iluminado por uma luz ativadora da percepção espacial e
do olho do visitante...
Fig. 4 imaginação morta imaginem, 2001. Áudio analógico, 15mnts, na Culturgest, Lisboa, Portugal. Fonte: própria. |
«Bouvard
e Pécuchet» (Figura 5) uma confrontação encenada, um lugar
vivido onde uma chaleira continua a expulsar o vapor da pressão da
água que se aquece. Um perfil de uma confrontação entre testemunha
e personagem; entre presente e ausente tornando
possível a amizade e o amor... «Bouvard
e Pécuchet» une
dois Seres separados por cópias de textos antropológicos...
Antropológico é também o filme-arquivo que faz e completa parte da peça denominada «dom» (Figura 6). Secção da exposição que convida a nos sentarmos e observarmos na penumbra a forma de uma mortalha em pano-cru, rasante ao chão, ladeada de bancos corridos.
Antropológico é também o filme-arquivo que faz e completa parte da peça denominada «dom» (Figura 6). Secção da exposição que convida a nos sentarmos e observarmos na penumbra a forma de uma mortalha em pano-cru, rasante ao chão, ladeada de bancos corridos.
Fig. 5 Bouvard e Pécuchet (2004). Madeira, vidro, metal, papel e água, na Culturgest, Lisboa, Portugal. Fonte: própria. |
Fig. 6 dom, 2012. Filme, loop, 16 mm, na Culturgest, Lisboa, Portugal. Fonte: própria. |
Enfim,
"Teatro do vazio" é o manifesto que Yves Klein publica em "Dimanche - Le Journal d'un
Seul Jour", a 27 de Novembro de 1960, fazendo parte do Festival de Arte de
Vanguarda onde, na primeira página é apresentada pela primeira vez afamada
fotomontagem "Salto no vazio".
Neste sentido «vazio do teatro» (Figura 1), exercita a catarse estética do teatro. Aqui o observador (a testemunha) é convidado a dois olhares sobre o mesmo vazio. Por uma lado a força de uma caixa compacta de terra prensada que dispõe no centro uma vala de dois níveis de difícil acesso e do tamanho de um corpo adulto. A ideia de que veio de outro lugar, resulta nesta espécie de palco com fosso recortado no centro, iluminado com luz produtora de sombra de pôr-do-sol. Por outro, a forma convexa coberta de tiras entrelaçadas em pano-cru que formam uma quadricula vertiginosa relembra faixas envolventes das múmias de Faium. A grande caixa de terra prensada com a fossa no centro evoca a memória de um defunto desconhecido; a pequena forma convexa, o corpo infantil sem rosto conhecido.
Neste sentido «vazio do teatro» (Figura 1), exercita a catarse estética do teatro. Aqui o observador (a testemunha) é convidado a dois olhares sobre o mesmo vazio. Por uma lado a força de uma caixa compacta de terra prensada que dispõe no centro uma vala de dois níveis de difícil acesso e do tamanho de um corpo adulto. A ideia de que veio de outro lugar, resulta nesta espécie de palco com fosso recortado no centro, iluminado com luz produtora de sombra de pôr-do-sol. Por outro, a forma convexa coberta de tiras entrelaçadas em pano-cru que formam uma quadricula vertiginosa relembra faixas envolventes das múmias de Faium. A grande caixa de terra prensada com a fossa no centro evoca a memória de um defunto desconhecido; a pequena forma convexa, o corpo infantil sem rosto conhecido.
«nenhuma entrada entrem» é assim uma exposição portuguesa inédita; uma memória de futuro dentro de um túmulo esvaziado; o
imemorial do passado dentro de um templo impessoal; um estranhamento
Noir contemporâneo.
A realização do trabalho que conduziu a esta recensão apenas foi possível devido à disponibilidade imediata da Fundação Caixa Geral de Depósitos - Culturgest plo coordenador de produção | Exposições, Exm.º Sr.º Mário Valente e sua equipa.
A realização do trabalho que conduziu a esta recensão apenas foi possível devido à disponibilidade imediata da Fundação Caixa Geral de Depósitos - Culturgest plo coordenador de produção | Exposições, Exm.º Sr.º Mário Valente e sua equipa.
Sem comentários:
Enviar um comentário