Bruno Munari (Milão, 1907-1998) foi um artista, designer, ilustrador e escritor italiano, tendo contribuído com diversas investigações nos campos das artes visuais (pintura, escultura, cinema, design industrial e gráfico) e também com outros tipos de arte (literatura, poesia, didática). Munari é considerado um dos pioneiros do design moderno e uma figura essencial na história do design e da arte contemporânea. Ficou famoso pela sua abordagem experimental e lúdica, que desafiou as tradicionais convenções estabelecidas no design e incentivou a interação entre o público e as obras, explorando as relações entre forma, cor e funcionalidade. É também conhecido pelo seu conceito de "design para todos", que defendia a democratização do design e a sua capacidade de melhorar a vida quotidiana.
Das Coisas Nascem Coisas
Bruno Munari
Edições 70
1982
Publicado em 1981, Das Coisas Nascem Coisas reflete a visão única do autor sobre o design e a criatividade. É uma exploração visual e conceptual sobre o processo de transformação dos objetos quotidianos em novas formas e significados. O livro é organizado em diversos capítulos, apresentando em 388 páginas uma extensa variedade de curiosidades, problemas, soluções e exemplos práticos. Evidencia a simplicidade de todo e qualquer problema quando se domina os conceitos, técnicas e procedimentos para a sua resolução, além de destacar o design como uma peça fundamental em diversos campos e áreas de atuação. Munari utiliza exemplos do quotidiano para demonstrar que o design está diretamente relacionado com a forma como vivemos e resolvemos problemas. Questiona a utilidade de objetos e a sua forma de existir, propondo uma análise funcionalista e estética.
Este livro propõe um olhar inovador sobre como a arte e o design podem alterar a percepção das coisas ao nosso redor, convidando o leitor a refletir sobre as múltiplas possibilidades de reinterpretação e recriação de materiais e formas. São explorados temas como o processo criativo, ou seja, o processo de transformação das ideias em objetos, mostrando que o processo para compreender o uso e a funcionalidade é primordial à forma final; a funcionalidade e estética, ou seja, a funcionalidade dos objetos sobrepõe-se ao seu aspeto, um bom design não necessita de muitos elementos estéticos; a Natureza e Artefactos criados, quer dizer a comparação feita entre a natureza e os produtos criados pelo ser humano, onde o autor defende que a natureza é a matriz mais eficiente para o design. Esta estrutura faz com que o livro seja indicado tanto para os profissionais da área, como para pessoas interessadas nestas temáticas. Ainda que com uma linguagem clara, muitas vezes com um toque de humor e ironia, a sua análise mais científica pode dificultar a leitura e análise de alguns exemplos para os leigos na matéria.
Munari é conhecido pela ideia de que o “design é arte voltada para a humanidade”, explorando nesta obra esse mesmo princípio. Defende que o design deve ser sempre orientado pela função, seguindo uma maneira lógica, simples e intuitiva. Como já referido anteriormente, os objetos não surgem de um vazio, resultam da resposta a inúmeras questões que pretendem responder a necessidades humanas.
O autor defende que “Qualquer livro de cozinha é um livro de metodologia projectual”; deste modo, em um dos capítulos mais interessantes do livro reúne, num esquema simples, 12 passos para a construção de uma solução de design, fazendo uma analogia com uma receita culinária. Imaginando que o ponto de partida é um Arroz Verde, Munari defende que todo o projeto de design nasce de um Problema que exige uma resolução. Esse Problema está diretamente relacionado com uma necessidade humana. Após identificar o problema, o designer define os limites e as expectativas que irão orientar o trabalho, por exemplo, preparar um arroz verde para quatro pessoas. Os Componentes do Problema desconstroem a questão, permitindo tratar de cada subproblema individualmente, tal como separar os ingredientes necessários para a receita. A Coleta de Dados, ou “consulta de livros de culinária”, permite ao designer reunir conhecimentos pré-existentes sobre o problema e possíveis soluções. Com os dados recolhidos é possível começar a Análise dos mesmos, de forma a filtrar e selecionar as informações mais relevantes e úteis para o trabalho. A Criatividade propõe soluções inovadoras, permite articular os limites, subproblemas e dados coletados para idealizar o produto final. Isto seria equivalente a experimentar substituir alguns ingredientes para enriquecer o sabor do arroz. Reunir os Materiais e Tecnologias, tais como uma panela ou um fogão, é essencial para garantir a viabilidade da solução. Na etapa seguinte, a Experimentação, a criatividade é aplicada para testar novas abordagens utilizando os materiais e tecnologias disponíveis. Após diversos testes surge um Modelo base para a entrega final. O modelo passa por uma Verificação e teste com o público-alvo. Com o feedback recebido percebemos se o prato que vamos servir está de acordo com os seus gostos. Agora é possível elaborar uma receita detalhada. O Desenho Construtivo detalha todas as instruções e passos necessários para replicar a solução desenvolvida, de forma precisa e eficaz. Por fim, a Solução representa todo o processo de entender o problema e os seus limites até oferecer uma resposta eficaz. Assim foi servido o Arroz Verde com porções equilibradas para quatro pessoas.
Se o processo de design passar por cada uma destas etapas garante que a solução criada não resolve apenas o problema, mas também atende às expectativas e necessidades do público-alvo. O exemplo do "Arroz Verde" ilustra como questões complexas podem ser resolvidas de forma criativa e estruturada. Ao contrário deste simples exemplo, os capítulos em que descreve uma Ficha de Análise e em que detalha a construção de vários objetos tornam-se um pouco cansativos e repetitivos, fazendo com que o leitor não preste a devida atenção a todos os exemplos apresentados.
Esta obra acaba com uma reflexão um tanto ou quanto curiosa. A imagem que nos é apresentada mostra um Homem do Futuro, sem orelhas e nariz, incapaz de ouvir e cheirar. Com isto, o autor recorda-nos que, para projetarmos algo, não nos podemos esquecer de todos os sentidos do ser humano. Este é só mais um dos exemplos que mostra o quão prática e ilustrativa é a leitura do livro. Mesmo com algumas imagens de projetos mais complexos, técnicos e científicos, no geral encontramos uma obra cheia de problemas e soluções com um carácter dinâmico e de fácil leitura.
Das Coisas Nascem Coisas é um manual do design, ainda que não seja o manual perfeito. Munari convida o leitor a repensar a forma como observa e interage com o mundo, incentivando-o a questionar o propósito das coisas ao seu redor. É uma excelente obra para quem pretende compreender como os objetos ganham vida e como o design pode e, deveria, estar ao serviço da humanidade.


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