A exposição “A outra vida dos animais” patente na Galeria Millennium do Museu Nacional de Arte Contemporânea foi visitada a 13/05/2022. Estão expostos trabalhos de vários autores desde Henrique Pousão a Júlio Pomar, com os seus estilos tão característicos e diversificados. Algumas destas obras foram criadas propositadamente para esta exposição, onde encontramos desenho, pintura, fotografia, escultura, instalação, vídeo e media art.
A perda da
biodiversidade e os consequentes desequilíbrios ambientais são o tema central
desta exposição desenhada para um público infantil, que raramente é contemplado
em exposições e que aqui tem, à sua dimensão, forma de refletir neste tema. Pensando
bem nem parece que esta exposição seja “apenas “direcionada para as crianças, mas
pensada para que pareça que são as crianças que a organizaram para os adultos. De
certa maneira as crianças estão a dar um grito de alerta para o que se está a
passar, o desequilíbrio ambiental em que a humanidade tem total
responsabilidade.
O ambiente
da exposição é muito vibrante, pois o som de animais na floresta vindo de um
trabalho de media art, envolve todo o espaço conferindo-lhe unidade. Também o
som de um vídeo (última peça exposta) em que a voz de um grupo de crianças está
em evidência, deixa todo o espaço contagiado com a sua energia. A diversidade
de obras representas faz um paralelo com a imensa variedade de animais nas
florestas de todo o mundo que o modo de vida atual está a comprometer seriamente.
Essa multiplicidade de peças expostas é uma mais-valia pois dá sentido ao tema
desta exposição, pois vemos pelos olhos de outros como consideram e valorizam (ou
não) os animais. Desde sempre que a humanidade acredita ser a espécie escolhida
para protagonizar um papel de relevância no mundo e ao mesmo tempo superior ao
dos outros animais. Daí vermos exemplos disso em variados contextos que os retratam
como trofeus, conquistas.
Duas destas peças (esculturas) são marcantes pelo lugar que ocupam na sala, mesmo à frente de uma janela que embora tenha um estore corrido ainda emana luz suficiente, deixando perceber em contraluz as suas sombras, conferindo-lhes por isso uma certa aura de mistério. Trata-se de uma raposa e de um corvo que está no ar (a voar). Estas duas personagens aparecem juntas para nos contar uma história, ao género da fábula de Esopo “O Corvo e a Raposa”. Ao contrário da fábula, em que a raposa surge como matreira, pois faz o corvo perder o queijo para o comer ela. Aqui apresenta-se vulnerável e fragilizada. Está a pedir ajuda. O corvo está em seu auxílio, profetizando algo de muito grave, avisando que corremos perigo.
A raposa é
feita de arame e tule a cobrir em várias cores, está representada apenas com
metade do corpo, ou seja, com o seu esqueleto à vista. Uma direta alusão à
destruição da sua espécie e do seu habitat e à desvalorização do seu papel
entre nós. No meu imaginário povoado pelas histórias que ouvia na infância, a
raposa não era bem-vinda nas aldeias, pois assaltava as capoeiras. Em
contraponto a este comportamento o meu avô falava-nos da sua astúcia para
conseguir alimentar os filhos, fintando as investidas dos homens que queriam
proteger as suas propriedades, o que era muito interessante.
Simbolicamente
a raposa surge como independente, ativa e inventiva, mas também destruidora,
medrosa e inquieta. Aparece-nos em diversas culturas desde o folclore francês,
índios americanos, Sibéria, Bretanha e Escócia. No japão é símbolo de
fertilidade e uma força vital. Ora é nestes dois aspetos que me quero focar.
Estamos a comprometer a fertilidade, o que permite a continuação das espécies.
E esta raposa metade destruída representa o que está em curso, a morte. Estamos
conscientes do que estamos a fazer e das suas consequências? Não creio. Então o
que precisamos mais que nos mostrem? Têm de ser as crianças a mostrarem que
este não é o caminho certo…
O corvo,
em movimento (no ar) está muito perto da raposa é feito de arame e tule também,
todo negro. Esta ave tem vários simbolismos, mas genericamente é considerado um
mensageiro dos Deuses na Grécia e pelo povo maia. Os celtas consideravam que
tinha um papel profético. Mas é em áfrica (nos likubas e likualas do Congo) que
encontro a sua simbologia mais relevante. Consideram o corvo como uma ave que
previne os homens dos perigos que os ameaçam. Neste caso o perigo somos nós
mesmos e a nossa infinita sede de controlar. O nosso egoísmo leva-nos ao
desastre.
O corvo é
um mensageiro e um profeta de uma mensagem que é representada pela raposa, a destruição
da fertilidade, o futuro e a vida e da evolução. Na exposição estão dois corvos
junto desta raposa, um voa, o outro está pousado. O que voa chama mais à
atenção para o perigo que está em baixo, aliás reparamos logo nele assim que
entramos no espaço, pois está à frente da janela.
Na
realidade já tivemos muitos sinais, vamos tendo aliás. Agora a obrigação
de agir para poder alterar o curso das coisas. O que nos falta para tomarmos
uma atitude?
Mais informações em : MNAC: A
OUTRA VIDA DOS ANIMAIS (museuartecontemporanea.gov.pt)
2020 | The Lisbon Wire Man
(davidoliveira.org)
Bibliografia:
Esopo, (2013) Fábulas
de Esopo, Carlos Pinheiro (tradução e adaptação)
Chevalier, J., GHEERBRANT, A. (1982) Dicionário dos símbolos.